Sem Solo |
Ganhei um piano! Mas de que me serve? Não tenho aptidões musicais nem técnica nem escuto som nenhum nem nada. E ganhei um piano!
Sentei-me na banqueta diante do armário e pude identificar sob as minhas mãos as teclas negras sobrepostas às teclas brancas. Desde criança que já ouvira falar de escalas, apenas isso, e meti-me a premer ébanos e marfins, seguidamente, uma tecla após outra, desordenando o “sabor” do som, mesmo que não o ouvisse.
Por que mesmo, para que mesmo ganhei aquele piano, este piano? Disse “aquele”, porque tão distante parece de mim; disse “este”, porque aqui a minha frente, (in)tocado, ambiguamente...
Ganhei um piano, isto importa! Eu o tenho feito móvel rente à parede. E o som que vem dele é apenas a incógnita mais valiosa da minha equação deficiente. Ainda bem!
Ganhei um piano, mas não o sei usar, não o quero. Comigo ele queda em silêncio, em totalidade.
Estou dizendo essas coisas para você, meu camarada! Nunca saberá por que assim o digo. Ou me escalo em próprio equívoco?
jorge pieiro, o surdo
30 nov. 2022
Sentei-me na banqueta diante do armário e pude identificar sob as minhas mãos as teclas negras sobrepostas às teclas brancas. Desde criança que já ouvira falar de escalas, apenas isso, e meti-me a premer ébanos e marfins, seguidamente, uma tecla após outra, desordenando o “sabor” do som, mesmo que não o ouvisse.
Por que mesmo, para que mesmo ganhei aquele piano, este piano? Disse “aquele”, porque tão distante parece de mim; disse “este”, porque aqui a minha frente, (in)tocado, ambiguamente...
Ganhei um piano, isto importa! Eu o tenho feito móvel rente à parede. E o som que vem dele é apenas a incógnita mais valiosa da minha equação deficiente. Ainda bem!
Ganhei um piano, mas não o sei usar, não o quero. Comigo ele queda em silêncio, em totalidade.
Estou dizendo essas coisas para você, meu camarada! Nunca saberá por que assim o digo. Ou me escalo em próprio equívoco?
jorge pieiro, o surdo
30 nov. 2022