Entrevistador: Holbein Menezes
MILAN KARAN
"Na minha opinião, o termo high-end foi inventado para delimitar, de algum modo, qualidade e preço de equipamentos de ponta, em relação aos ditos "comerciais". A maioria dos amplificadores de hoje é mais high-tech que high-end, isso se tais termos signifiquem equipamentos bons, com alta qualidade musical. Meu intento não foi desenvolver amplificadores que pudessem ser classificados de equipamentos high-end. Eu tinha em mente oferecer aos musicistas a possibilidade de terem a música original, com a atmosfera e as emoções que existem no evento musical. Todos os equipamentos high-tech não passam de completo engodo." |
Tradução das perguntas para o Inglês: Ronaldo Menezes
Tradução das respostas para o Português: Paulo Wang
Tradução das respostas para o Português: Paulo Wang
Pergunta: Intriga-me que um ótimo produto para a reprodução do som musical tenha sido desenvolvido num país que, até recentemente, viu-se envolvido em trágicos e sangrentos conflitos internos. Em razão disso, pergunto: onde você foi encontrar a calma e o sossego para pensar o KAi180? Ou, em face de sua excelsa qualidade, o KAi180 não foi humanamente pensado e sim inspiração de alguma divindade? Por qual oráculo?
RESPOSTA: Infelizmente, a Iugoslávia passou por um período muito duro durante a última década. A guerra civil interna deixou conseqüências terríveis no nosso país, centenas de milhares de refugiados, milhares de mortos, o bombardeio da OTAN em 1999, e, de novo, mais refugiados em Kósovo.... Por sorte, todo esse horror não teve má influência na minha inspiração, ao contrário, levou a que eu decidisse transformar meus sonhos em realidade. O amplificador KAi180 é produto dessa decisão, o desejo de estender nossa filosofia de som a outras pessoas, em especial às que não podem, ou não querem, comprar nossos principais modelos (bem mais caros). O KAi 180 nasceu de alterações no nosso modelo popular KAi 1. Passados seis anos do seu lançamento, e bom desempenho, o tempo mostrou a necessidade de se fazer algumas melhorias e modificações. Um grande número das idéias que utilizamos com sucesso nos nossos modelos mais desenvolvidos foram transferidos para KAi 180, que passou a ser o nosso preferido. Como ele funciona? - Bem, melhor você pode dizer.
Pergunta: Faz anos venho sustentado o achado de que, em eletrônica para a reprodução do som musical, qualquer desenvolvimento hoje terá sido a negação do desenvolvimento de ontem, e será negado pelo desenvolvimento de amanhã, que não passará do desenvolvimento de ontem, mutatis mutandis... Dentro desse conceito "involucionista", por que você não desenvolveu um produto a válvula? O estado sólido já não estaria esgotado?
RESPOSTA: Entendo sua pergunta como uma pequena provocação; estou quase certo de que nem você acredita nesse seu achado. Falando tecnicamente, a válvula tem numerosas deficiências e não foi mudada em sua essência desde a época de Hitler (alguns audiófilos Iugoslavos ainda preferem as válvulas alemães desse período). De mais a mais, os amplificadores transistorizados sofreram profundas mudanças, e foram bastante melhorados nos últimos vinte anos. Muitos ainda não esqueceram como um amplificador transistorizado soava 20 anos atrás, ou dez, ou mesmo cinco, e como soa hoje. Nesse particular, deve-se admitir que ocorreram diferenças consideráveis. Entretanto, o ponto mais importante, a meu ver, é saber que a tecnologia transistorizada ainda guarda enormes recursos, que estão para ser desenvolvidos; já a mesma coisa não podemos dizer sobre as válvulas... De fato, a maior qualidade de um amplificador a válvula é a qualidade do seu som, mas a custa de limitações acima e abaixo do espectro de frequência, além de baixo fator de amortecimento que representa um controle dos graves inadequado, e baixa velocidade (dinâmica). Já o estado sólido (transistor) toca muito mais rápido, com mais energia e dinâmica, com melhor controle de grave e melhor qualidade e apresentação do espectro sonoro. Ainda que seja também verdade que à maioria dos amplificadores transistorizados falta qualidade musical, e atratividade, aspectos que a maioria dos amplificadores a válvula em geral oferecem. Embora que, nesses aspectos, a implementação de novas tecnologias esteja a oferecer vantagens aos amplificadores do estado sólido, quase no nível de qualidade dos amplificadores a válvula. Exemplo: todos os meus amplificadores usam tecnologia balanceada, que é mais complexa e mais cara, mas também significativamente melhor. Eu utilizo transistores bipolares, os quais, na minha opinião, oferecem melhor solução. Tenho, eu penso, com relação a transistores uma abordagem bem diferente comparada com a dos outros construtores. O resultado disso tudo é um som que se encaixa com minha sensibilidade, combina com minha filosofia do som e com meu entendimento de música. Em síntese, tentei extrair, em benefício da qualidade musical, todas as vantagens e possibilidades dos transistores. Para mim, o estado sólido não está morto, ao invés, acho que tem ainda muito futuro inda que possa ser fora das atuais tendências. Na era da esperteza do high-end, em que se tem a audácia de cobrar por um simples par de cabo de interconexão alguns milhares de dólares, por que você optou por um aparelho integrado de custo modesto? Ou você não considera o KAi180 um produto high-end? Na sua opinião, o que é high-end, uma técnica de ponta ou uma enganação? Na minha opinião, o termo high-end foi inventado para delimitar, de algum modo, qualidade e preço de equipamentos de ponta, em relação aos ditos "comerciais". A maioria dos amplificadores de hoje é mais high-tech que high-end, isso se tais termos signifiquem equipamentos bons, com alta qualidade musical. Meu intento não foi desenvolver amplificadores que pudessem ser classificados de equipamentos high-end. Eu tinha em mente oferecer aos musicistas a possibilidade de terem a música original, com a atmosfera e as emoções que existem no evento musical. Todos os equipamentos high-tech não passam de completo engodo.
Pergunta: Por que despender tanto esforço num projeto eletrônico quando se sabe que o elo mais fraco de um sistema eletrônico para a reprodução do som musical, nestes tempos de moradias precárias (apartamentos), é sempre a sala? Ou você acredita na utopia de que um bom amplificador é bom em qualquer circunstância?
RESPOSTA: A sala é, definitivamente, o maior problema de todo sistema de alta-fidelidade, mas eu penso que uma eletrônica ruim vai tocar ruim inda que numa sala perfeita. É óbvio, é sempre melhor ter uma boa sala com um sistema médio do que o contrário. O verdadeiro audiófilo em primeiro lugar deve escolher com cuidado sua sala de música, e, se possível, tratá-la com boa acústica. Só depois, então, deve escolher os alto-falantes. Os alto-falantes precisam estar de acordo com as dimensões e características da sala. Em seguida, deve vir a escolha do amplificador, providência que requer quase o mesmo grau de cuidado da escolha da sala e acústica. Outras partes do sistema são também importantes; todavia, nos termos da minha experiência pessoal, sala, falante e amplificador são os elos mais importantes. Todos os componentes devem estar no mesmo nível de qualidade. Não obstante o quanto a sala seja adequada, sempre se poderá perceber diferenças, para melhor ou para pior, de algum componente do sistema.
Pergunta: Você crer que aspectos tais como tomadas douradas, soldas de prata, fios livres de oxigênio, circuito impresso, circuito encapsulado, essas coisas são essenciais para um aparelho soar musicalmente bem? Ou o importante é a fonte? Por que então o velho QUAD 22 ainda soa tão bem? Onde está o segredo, na sua opinião?
RESPOSTA: O pré-requisito básico para um amplificador soar bem está nos cuidados de sua construção. Escolher componentes de alta qualidade fará com que o som seja melhor, é evidente, mas nesse caso o custo do amplificador será correspondentemente maior. Todas as vezes que se usam componentes melhores (e mais caros) melhora a qualidade, mas sem uma boa técnica de construção isso deixa de fazer sentido. De acordo com minha experiência, em primeiro lugar vem o suprimento de energia (a fonte). Isso engloba desde a rede elétrica aos alto-falantes. Repito, uma boa construção significa muito, mas sem um adequado suprimento de energia, nada feito. Os velhos QUAD 22 ainda tocam bem devido à sua concepção como objeto destinado ao som musical, apesar de eu achar que se tornaram obsoletos. Embora soem melhor do que uma pá de amplificadores de produção em série. Para mim, 90% da produção em série estão voltadas para a aparência (design) e conforto de manuseio, ou outras bobagens, que se destinam a desviar nossa atenção da coisa mais importante: o bom som. Não desconheço que a aparência de um objeto é importante, mas tal aparência tem pouco a ver com estética. Nunca perco isso de vista.
Pergunta: O melhor som de grave, eletronicamente reproduzido, que já ouvi na minha vida foi via caixas de canto, de 9 pés cúbicos, de tijolo, com alto-falantes Goodmans Axion 80 (4 unidades por caixa), acionadas por um par de QUAD 22, fator de damping reduzido por meio de um resistor em série. Então pergunto: por que se trabalha tanto hoje em dia para lograr-se obter elevados fatores de damping nos amplificadores? As caixas de alto-falantes de hoje é que não são apropriadas?
RESPOSTA: A boa ou má reprodução das baixas frequências depende da conformidade entre a acústica da sala e os alto-falantes, e também dos outros componentes do sistema. Portanto, você está certo quando fala sobre a combinação dos alto-falantes GOODMANS e QUAD 22 - este com o fator de amortecimento reduzido -, como "os melhores graves" que já ouviu, mas só é verdadeiro para esse dado sistema particular, sem generalizar. Mas tal sistema deve, com muita probabilidade, tocar diferente em outro ambiente. De minha parte, acredito que só um amplificador com alto fator de amortecimento - que o torna capaz do seu máximo desempenho, permitindo-nos ouvir o que acontece nas baixas frequências -, pode reproduzir um bom grave. Um grave bem articulado em geral ouvimo-lo como se tivera pouca pressão musical; na prática isso se traduz pela aparência de pouco grave. Mas estamos equivocados. Não se pode esperar ouvir o que não está presente no material de reprodução, incluindo-se aí a sala. Ainda porque a pressão musical nas baixas frequências depende principalmente do tamanho do espaço acústico, e isto é algo que não podemos generalizar de jeito nenhum. Ademais, caixas acústicas (falantes) diferem de fabricante para fabricante, e no final da linha são elas que definem da qualidade do som. Pessoalmente, prefiro um som firme, forte e definido, sem colorações adicionais, não somente nas baixas frequências mas também no resto; e eu penso que a este respeito, os novos modelos de caixas são melhores que os antigos.
Pergunta: Se você só tivesse dinheiro apenas para, ou comprar um equipamento de qualidade para instalar numa sala medíocre ou para construir uma sala de qualidade para um equipamento medíocre, que preferiria? Só vale uma dessas opções.
RESPOSTA: Como eu já disse, a sala é sempre o maior problema na cadeia da reprodução. Se não existir outra escolha, é melhor ter uma boa sala com um sistema não muito bom, que vice-versa.
Pergunta: Você que também constrói DAC - upsampler 24bit / 96 kHz - acredita de verdade que seja possível elevar bit de uma gravação cujo original foi feito em 16bit / 44.1 kHZ? Em termos leigos e jornalísticos, como isso ocorre? Ou é apenas propaganda?
RESPOSTA: Como em qualquer coisa, é preciso publicidade. Um número enorme de CDs foi realmente gravado no velho formato 16 bit/44.1, mas desses teóricos 16 bits só usamos na prática 13. De fato, os novos processadores de 24/96 ou 24/192 foram fabricados para fazer face às recentes gravações já processadas nesses novos formatos, nos quais podemos constatar algumas diferenças. Agora, utilizar esses novos processadores com velhas gravações, é outra história. A resolução dos CDs não pode ser alterada na sua essência, isso é verdade, muito embora que, com um bom algoritmo, consegue-se encontrar certos dados que podem compensar deficiências. Despendi grande parte do meu tempo a trabalhar na eliminação do "erro de base de tempo" - JITTER -, erro comumente percebido quando um disco é tocado. Ainda que o modo de reparar o JITTER seja um paliativo, a reprodução do sinal amostrado por tal modo é melhor, mais detalhada, mais em conformidade com a música e a ambiência, e definitivamente menos DIGITAL.
Pergunta: Na era da imagem e som, a imagem atrapalha a concentração na música? Ou a imagem veio para complementar uma percepção mais próxima do evento original, proximidade perdida ao longo dos tempos com o atraso da tecnologia que só nos oferecia som? Apenas a reprodução do som não se constituía desvio no processo da percepção de um evento composto de imagem e som?
RESPOSTA: No que concerne à combinação do som com imagem, penso que isso só é importante para as jovens gerações, e para os que preferem filmes. Pelo que sei, apenas um pequeno número de audiófilos sérios tem em casa, com exclusividade, o popular sistema HOME THEATER. Talvez eu seja à moda antiga, mas continuo a gostar de ver filmes numa grande tela de cinema, claro que num cinema com adequado sistema surround.
Pergunta: De que cinzas você surgiu para "revolucionar" o esperto mundo high-end? Quais suas qualificações?
RESPOSTA: Bem, para muitas pessoas da Europa não foi assim tão "do nada". Já tenho mais de 15 anos neste ramo, que começou como hobby e findou por ser profissão. Na verdade, estive em outras áreas da eletrônica (medicina, equipamento militar etc.), as quais contribuíram muito para minha vasta experiência, mostrando-me o que a eletrônica pode conseguir. Alguns dos meus amigos me diziam que eu deveria dividir com outros minha experiência pessoal em acústica. Assim, pois, junto com eles estou tentando encontrar meu espaço neste nosso mundo do áudio. Conseguiremos ter sucesso? Claro, estou certo disso.
Pergunta: Qual o seu equipamento de som doméstico, e por que o escolheu?
RESPOSTA: Em casa uso tudo "feito em casa", até o cabeamento. Eu usava caixas JBL para monitores de estúdio, por achá-las muito boas e neutras. O único componente importante, que não é meu (não ainda!) é o CD Transporte MERIDIAN.
Pergunta: Qual equipamento eletrônico (marcas) você mandaria de presente para seu pior inimigo? E se não tiver inimigos pessoais, digamos para Hitler lá nos quintos dos Infernos?
RESPOSTA: Bem, esta é uma questão interessante, e provocante, então minha resposta será genérica. Ao meu pior inimigo daria:
1. Uma pequena sala feita toda de concreto, com pé-direto baixo, muito vidro e poucos móveis;
2. O CD player mais comercial que eu encontrasse para comprar;
3. O cabeamento mais caro, sobretudo se nunca tiver sido antes experimentado. Aliás, um conselho "mais justo" dependeria dos outros componentes;
4. O pré-amplificador comercial que exibir o maior número de lâmpadas inúteis;
5. Um amplificador valvulado, single-end, especialmente se a sala tiver grandes dimensões, e,
6. Enormes caixas de alto-falantes, se a sala for pequena; ou o contrário, pequenas, se a sala for grande.