Considerações Anarcoanarquizadas. Velhice |
Desdentada, descarnada, desseiúda, cacunda e quase cega, minha avó Aninha, por falta de força nas pernas para ficar em pé deitava-se o dia inteiro na sua rede rota remendada; mas lúcida que nem o diabo do Lula, que “visualiza” longe “algum ganho”, o danado; lúcida aos 92 anos (!), e, entre uma pitada e outra no seu cachimbo de barro com fumo de rolo, balbuciava, entredentes, nos meus crédulos ouvidos juvenis:
- “Meo fio, quem parte e reparte e não fica com a mió parte, ou foi Bonaparte que perdeu pros russo uma guerra ganha, ou é uma besta quadrada.”
Velha Aninha, minha avozinha querida e saudosa, que nasceu no dia 25 de agosto de 1853 e faleceu em 23 de junto de 1945; Aninha, a parteira “déplomada” pela Natureza, Ana que com suas hábeis mãos trouxe ao mundo mais de mil bebês “sem perder nenhum”, como ela se gabava de proclamar; Aninha que arrancou com uma dentada de mãe protetora o lóbulo do bandido Raimundo Maia que tentava assassinar seu filho Ezequiel a mando do “coronel” Alexanzito, e, por causa da dor intensa e inesperada o bandido soltou seu filho que assim pode fugir.
Aninha gostava de contar histórias e estórias.
Contava: durante a seca de 1877 perdeu seu primeiro marido que se chamava José; nesse ano a cólera grassava por toda a região do Vale do Jaguaribe, no Ceará; num desses trágicos mas costumeiros dias (Aninha) viu-se obrigada a ir ao centro da cidade de Aracati para buscar socorro para enterrar seu marido José; e no centro encontrou-se com o pai dela, João Menezes... que também estava no centro em busca de auxílio para enterrar sua segunda esposa!
E por via misteriosa dos caminhos da vida interiorana, algum tempo depois dessas mortes Aninha (viúva) e seu pai (viúvo) casaram de novo e no mesmo dia e com pessoas da mesma família; ele (o pai de Ana) casava-se pela terceira vez com uma moça chamada Maria, e Aninha casava-se pela segunda vez com um irmão de Maria chamado Chico Ezequiel, meu bisavô.
As sábias “indicações gerenciais” da avó Aninha atravessaram os tempos e, quem sabe, por artes subliminares ou mediúnicas ou sei lá o quê chegaram setenta anos depois aos meus ouvidos já também anciãos.
Porquanto sustentava (Aninha), séria e peremptória, que velho como hoje sou e ela era, velho costuma morrer de três “Ks”: keda, katarro e kaganeira (sintomas que na língua sem alfabeto de Anna correspondiam a acidente, pneumonia e diarreia).
Talvez (quem sabe) daí advieram meus excessivos cuidados com a firmeza dos músculos das minhas pernas (para não cair), com a quase maníaca compulsão de lavar as mãos com álcool várias vezes ao dia (para evitar contaminação do vírus da gripe que nos anciãos pode evoluir para inflamação pulmonar) e com minha alimentação sectariamente regulada (posto que não como fora de hora, nem consumo carne de gado (por motivo de ter um dado tipo de proteína), nem tomo leite de vaca (devido à lactose) nem produtos com trigo (devido ao glúten) que geram ou podem gerar diarreia).
Três “Ks”, né isso, Vó?
Holbein Menezes
29 nov. 2022
- “Meo fio, quem parte e reparte e não fica com a mió parte, ou foi Bonaparte que perdeu pros russo uma guerra ganha, ou é uma besta quadrada.”
Velha Aninha, minha avozinha querida e saudosa, que nasceu no dia 25 de agosto de 1853 e faleceu em 23 de junto de 1945; Aninha, a parteira “déplomada” pela Natureza, Ana que com suas hábeis mãos trouxe ao mundo mais de mil bebês “sem perder nenhum”, como ela se gabava de proclamar; Aninha que arrancou com uma dentada de mãe protetora o lóbulo do bandido Raimundo Maia que tentava assassinar seu filho Ezequiel a mando do “coronel” Alexanzito, e, por causa da dor intensa e inesperada o bandido soltou seu filho que assim pode fugir.
Aninha gostava de contar histórias e estórias.
Contava: durante a seca de 1877 perdeu seu primeiro marido que se chamava José; nesse ano a cólera grassava por toda a região do Vale do Jaguaribe, no Ceará; num desses trágicos mas costumeiros dias (Aninha) viu-se obrigada a ir ao centro da cidade de Aracati para buscar socorro para enterrar seu marido José; e no centro encontrou-se com o pai dela, João Menezes... que também estava no centro em busca de auxílio para enterrar sua segunda esposa!
E por via misteriosa dos caminhos da vida interiorana, algum tempo depois dessas mortes Aninha (viúva) e seu pai (viúvo) casaram de novo e no mesmo dia e com pessoas da mesma família; ele (o pai de Ana) casava-se pela terceira vez com uma moça chamada Maria, e Aninha casava-se pela segunda vez com um irmão de Maria chamado Chico Ezequiel, meu bisavô.
As sábias “indicações gerenciais” da avó Aninha atravessaram os tempos e, quem sabe, por artes subliminares ou mediúnicas ou sei lá o quê chegaram setenta anos depois aos meus ouvidos já também anciãos.
Porquanto sustentava (Aninha), séria e peremptória, que velho como hoje sou e ela era, velho costuma morrer de três “Ks”: keda, katarro e kaganeira (sintomas que na língua sem alfabeto de Anna correspondiam a acidente, pneumonia e diarreia).
Talvez (quem sabe) daí advieram meus excessivos cuidados com a firmeza dos músculos das minhas pernas (para não cair), com a quase maníaca compulsão de lavar as mãos com álcool várias vezes ao dia (para evitar contaminação do vírus da gripe que nos anciãos pode evoluir para inflamação pulmonar) e com minha alimentação sectariamente regulada (posto que não como fora de hora, nem consumo carne de gado (por motivo de ter um dado tipo de proteína), nem tomo leite de vaca (devido à lactose) nem produtos com trigo (devido ao glúten) que geram ou podem gerar diarreia).
Três “Ks”, né isso, Vó?
Holbein Menezes
29 nov. 2022