Bird na Favela |
Caminhar pelas calçadas alencarinas é como andar numa tábua de pirulitos gigante. A diferença é que não é nada doce. Entre a partida e a chegada, ultrapasso várias barreiras, uma prova de salto de obstáculos. Um resto de plástico deixado por alguém que matou a sede, uma embalagem de biscoito esquecida por alguém antes faminto, uma lata de alumínio usada por alguém que não estava ébrio. No meio desses dois lugares, partida e chegada, ainda escapo de máquinas deslizantes com bandeiras brasileiras. E acabou a copa. São facistas torcedores tristes ou tristes torcedores fascistas. Isso é menor.
Muros, portarias, vigias sonolentos. Supermercados, sorveterias, sapatarias. Tudo que pode ser vendido, até corpos esculpidos na frente de espelhos. A vista agradece quando atravesso comunidades com gente de verdade, onde o boa noite vem de desconhecidos e o cachorro preguiçoso me acompanha pacífico, com olhos de fome.
Ando, salto, me assusto, sempre ouvindo o meu mago preferido do piano, o gênio rodopiante de chapéu, Monk. Um som bebop surge no meio do bela Blue Monk, aquela com o solo calmante do sax de Johnny Griffin, gravado ao vivo em 1958. O sax invasor é do Charlie Parker, inconfundível. Mas Parker não toca com Monk nesse tema. E é outro tema, não identifico. Os solos rápidos dissonam da poesia monkeana.
Procuro o som. Em volta apenas pequenas casas descoloridas, quase azuis, quase amarelas, quase verdes. No rumo da tal música, acho um bar com mesas simples, daquelas bambas da cerveja famosa. O bar tem nome, “Espe(r)to”. Dois desses espertos, quase bêbados, ouvem bebop. Ouvem de verdade, como se aquele som chegasse de um lugar encantado.
Minha vontade é entrar, falar, perguntar e ouvir as notas de Bird com aqueles dois, já amigos, mesmo estranhos. Vergonha, medo. E inveja. Como aquele som chegou ali. O que estariam pensando sobre Parker? E sabiam quem foi Parker?
Talvez soubessem melhor do que eu.
Henilton Menezes
13 dez. 2022, Fortaleza.
Muros, portarias, vigias sonolentos. Supermercados, sorveterias, sapatarias. Tudo que pode ser vendido, até corpos esculpidos na frente de espelhos. A vista agradece quando atravesso comunidades com gente de verdade, onde o boa noite vem de desconhecidos e o cachorro preguiçoso me acompanha pacífico, com olhos de fome.
Ando, salto, me assusto, sempre ouvindo o meu mago preferido do piano, o gênio rodopiante de chapéu, Monk. Um som bebop surge no meio do bela Blue Monk, aquela com o solo calmante do sax de Johnny Griffin, gravado ao vivo em 1958. O sax invasor é do Charlie Parker, inconfundível. Mas Parker não toca com Monk nesse tema. E é outro tema, não identifico. Os solos rápidos dissonam da poesia monkeana.
Procuro o som. Em volta apenas pequenas casas descoloridas, quase azuis, quase amarelas, quase verdes. No rumo da tal música, acho um bar com mesas simples, daquelas bambas da cerveja famosa. O bar tem nome, “Espe(r)to”. Dois desses espertos, quase bêbados, ouvem bebop. Ouvem de verdade, como se aquele som chegasse de um lugar encantado.
Minha vontade é entrar, falar, perguntar e ouvir as notas de Bird com aqueles dois, já amigos, mesmo estranhos. Vergonha, medo. E inveja. Como aquele som chegou ali. O que estariam pensando sobre Parker? E sabiam quem foi Parker?
Talvez soubessem melhor do que eu.
Henilton Menezes
13 dez. 2022, Fortaleza.