Artigo No. 7
DA AFINAÇÃO DE MINHA VITROLA - Parte 1
Por Holbein Menezes
05 fev. 2023
(publicado originalmente em 22 jul. 2009, sob o número 171)
Vim de uma sala de 50 m2 (na Praça Dr. Del Vecchio, no Rio Comprido, Rio) e cheguei a esta saleta de hoje de 12 m2 (no apê de Papicu, em Fortaleza); antes, passara por alguns outros ambientes destinados à reprodução da música em conserva, o mais famoso deles o da sand-filled. Foram ao todo, bem contados na ponta dos dedos, seis ambientes. Já escrevi sobre alguns, meu leitor escoteiro deve lembrar-se.
Em Fortaleza, nos idos de 1950 usei um mezanino, resultado de “atrevido” aproveitamento do pé-direito alto da sala de visitas da minha (de meu pai) casa, na Rua Dona Leopoldina. Hoje, reconheço, acanhado e acusticamente mal engenhado cômodo, de teto baixo ao alcance da mão, forrado de fino compensado de madeira para prevenir contra cisco provindo das velhas e gastas telhas. Era então o distante tempo do disco de cera, lido por toca-discos automático Garrard com agulha GE-1000 de relutância variável; a ópera “Madama Butterfly”, de Puccini, compunha-se de cinco discos num álbum de capas grossas a exibirem o cachorro da RCA Victor além de seu universal dístico, His Master Voice. Amplificador monofônico da Standard Electric, marca “Dueto”, valvulado.
Não era alta-fidelidade ainda, mas eu já fazia o curso de eletrônica de rádio por correspoondência na National School dos Estados Unidos.
Quando me mudei para o Rio em maio de 1956, no apê da Rua Dr. Zamenhoff no Estácio, sem “atrevimento” (pois comprara o imóvel graças à Previ) aproveitei a sala de visitas, de 20 m2, quadrada a sala ela também – 4,50 m por 4,50 m –, e montei sistema de som estéreo mercê da gentileza do Raul Duarte o qual, de São Paulo despachou seu filho Cassiano para o Rio com um par de amplificadores valvulados, McIntosch M-20.
Já era a era da alta-fidelidade e do long playing. Foi a partir daí que comecei a “afinar” minha vitrola.
Para quebrar a quadratífera sala do Estácio e fugir dos consequentes nódulos ressonantes – ao tempo eu acreditava que o ambiente da escuta e sua forma representavam 60% para a boa qualidade do som musical –, para quebrar o quadrado criei uma parede “falsa” que ia até apenas a um terço do comprimento do ambiente, dando a este a aparência de retângulo. E nos cantos do falso retângulo construi duas caixas de tijolos de nove pés cúbicos, nos moldes das pièce de résistance concebidas pelo babalorixá da Wharfedale, “Sir” Gilbert Briggs. O espírito do homem, este ainda vivo, já baixara em mim...
E por compaternidade conheci os feitos de Peter Walker, da Electroacoustics de Huntingdon com seu eletrostático de 1955; aliás, naqueles recuados tempos, para música de câmara, o som musical do ESL QUAD foi o mais confortável e prazeroso dos quantos ouvi pelo Rio de Janeiro em fora. Porém, diabo! som carente, poxa vida! mui “precisado de afinação” nos baixos... isto é, se para tocar bem sinfonias, oratórios e óperas. Mas Peter Walker não recomendava, de jeito nem maneira, o uso de sub-woofer para complementar seu falante que só reproduzia plano até os 100 Hertz; alegava o inventor do QUAD que a massa do cone de alto-falante de bobina móvel não “casava” com a leveza da película plástica do diafragma do seu eletrostático... Não tanto pela diferença na sensibilidade – que a biamplificação poderia resolver – mas pela velocidade de resposta, consequência do tempo de deslocamento das respectivas massas diafragmáticas.
Aí um reviewer de um magazine inglês sugeriu o “stacked pair” – um par de Quad, uma unidade sobre outra – a fim de “afinar” a pouca eficiência desse extraordinário sonofletor na região dos 100 Hz abaixo; no que Peter concordou mas... pois é, mui magister dixit como todo bom inglês, advertiu que a curvatura vertical do seu eletrostático não podia ser descontinuada. Levando em conta esse “decreto” do Mestre de Huntingdon, montei para mim tal sistema, e montei uma dezena deles para colegas audiófilos cariocas. Dois deles, o Engenheiro Alberto França e o empresário Stephan Vohl ainda os têm até hoje. Ao tempo, é bom que informe, eu era sócio do Prof. Veiga, representante da QUAD para o Brasil.
[A propósito do Quad-55, ele era fase invertida, isto é, para melhor ilusão de palco necessitava inverter também a polaridade nos bornes do amplificador; e, na impossibilidade de um stacked pair, abaixo de 100 Hz desempenhava mais a contento se conectado no tap de 4 Ohms de amplificador valvulado. Isso e o stacked pair reforçavam a região baixa em cerca de 3 dB.]
Quando me aposentei em 1973, comprei com o produto da venda do apê do Estácio, acrescido pelo saldo de meu FGTS, comprei o apê rés-do-chão da Praça Dr. Del Vecchio, cuja área do quintal pertencia por escritura ao bem negociado e na qual área fora edificada pelo ex-proprietário uma dependência isolada de 70 m2 para servir de morada para um filho. Portanto, desse precioso anexo utilizei 50 m2 – deixei vinte metros quadrados para a lavanderia – e com os “meus” 50 m2 construí a sala de música. Aliás, foi por essa ocasião que comecei a tornar-me cismarento em matéria de reprodução do som musical... Porque, ora bolas, se em som musical doméstico “tamanho fosse documento” eu teria no imóvel da Del Vecchio o mais próprio ambiente para reprodução da música em conserva: pé-direito de 3 m, 10 m no comprimento e 5 na largura. Mas tal não aconteceu na Del Vecchio, nem acontece em canto algum do Mundo. Merda!
Por Holbein Menezes
05 fev. 2023
(publicado originalmente em 22 jul. 2009, sob o número 171)
Vim de uma sala de 50 m2 (na Praça Dr. Del Vecchio, no Rio Comprido, Rio) e cheguei a esta saleta de hoje de 12 m2 (no apê de Papicu, em Fortaleza); antes, passara por alguns outros ambientes destinados à reprodução da música em conserva, o mais famoso deles o da sand-filled. Foram ao todo, bem contados na ponta dos dedos, seis ambientes. Já escrevi sobre alguns, meu leitor escoteiro deve lembrar-se.
Em Fortaleza, nos idos de 1950 usei um mezanino, resultado de “atrevido” aproveitamento do pé-direito alto da sala de visitas da minha (de meu pai) casa, na Rua Dona Leopoldina. Hoje, reconheço, acanhado e acusticamente mal engenhado cômodo, de teto baixo ao alcance da mão, forrado de fino compensado de madeira para prevenir contra cisco provindo das velhas e gastas telhas. Era então o distante tempo do disco de cera, lido por toca-discos automático Garrard com agulha GE-1000 de relutância variável; a ópera “Madama Butterfly”, de Puccini, compunha-se de cinco discos num álbum de capas grossas a exibirem o cachorro da RCA Victor além de seu universal dístico, His Master Voice. Amplificador monofônico da Standard Electric, marca “Dueto”, valvulado.
Não era alta-fidelidade ainda, mas eu já fazia o curso de eletrônica de rádio por correspoondência na National School dos Estados Unidos.
Quando me mudei para o Rio em maio de 1956, no apê da Rua Dr. Zamenhoff no Estácio, sem “atrevimento” (pois comprara o imóvel graças à Previ) aproveitei a sala de visitas, de 20 m2, quadrada a sala ela também – 4,50 m por 4,50 m –, e montei sistema de som estéreo mercê da gentileza do Raul Duarte o qual, de São Paulo despachou seu filho Cassiano para o Rio com um par de amplificadores valvulados, McIntosch M-20.
Já era a era da alta-fidelidade e do long playing. Foi a partir daí que comecei a “afinar” minha vitrola.
Para quebrar a quadratífera sala do Estácio e fugir dos consequentes nódulos ressonantes – ao tempo eu acreditava que o ambiente da escuta e sua forma representavam 60% para a boa qualidade do som musical –, para quebrar o quadrado criei uma parede “falsa” que ia até apenas a um terço do comprimento do ambiente, dando a este a aparência de retângulo. E nos cantos do falso retângulo construi duas caixas de tijolos de nove pés cúbicos, nos moldes das pièce de résistance concebidas pelo babalorixá da Wharfedale, “Sir” Gilbert Briggs. O espírito do homem, este ainda vivo, já baixara em mim...
E por compaternidade conheci os feitos de Peter Walker, da Electroacoustics de Huntingdon com seu eletrostático de 1955; aliás, naqueles recuados tempos, para música de câmara, o som musical do ESL QUAD foi o mais confortável e prazeroso dos quantos ouvi pelo Rio de Janeiro em fora. Porém, diabo! som carente, poxa vida! mui “precisado de afinação” nos baixos... isto é, se para tocar bem sinfonias, oratórios e óperas. Mas Peter Walker não recomendava, de jeito nem maneira, o uso de sub-woofer para complementar seu falante que só reproduzia plano até os 100 Hertz; alegava o inventor do QUAD que a massa do cone de alto-falante de bobina móvel não “casava” com a leveza da película plástica do diafragma do seu eletrostático... Não tanto pela diferença na sensibilidade – que a biamplificação poderia resolver – mas pela velocidade de resposta, consequência do tempo de deslocamento das respectivas massas diafragmáticas.
Aí um reviewer de um magazine inglês sugeriu o “stacked pair” – um par de Quad, uma unidade sobre outra – a fim de “afinar” a pouca eficiência desse extraordinário sonofletor na região dos 100 Hz abaixo; no que Peter concordou mas... pois é, mui magister dixit como todo bom inglês, advertiu que a curvatura vertical do seu eletrostático não podia ser descontinuada. Levando em conta esse “decreto” do Mestre de Huntingdon, montei para mim tal sistema, e montei uma dezena deles para colegas audiófilos cariocas. Dois deles, o Engenheiro Alberto França e o empresário Stephan Vohl ainda os têm até hoje. Ao tempo, é bom que informe, eu era sócio do Prof. Veiga, representante da QUAD para o Brasil.
[A propósito do Quad-55, ele era fase invertida, isto é, para melhor ilusão de palco necessitava inverter também a polaridade nos bornes do amplificador; e, na impossibilidade de um stacked pair, abaixo de 100 Hz desempenhava mais a contento se conectado no tap de 4 Ohms de amplificador valvulado. Isso e o stacked pair reforçavam a região baixa em cerca de 3 dB.]
Quando me aposentei em 1973, comprei com o produto da venda do apê do Estácio, acrescido pelo saldo de meu FGTS, comprei o apê rés-do-chão da Praça Dr. Del Vecchio, cuja área do quintal pertencia por escritura ao bem negociado e na qual área fora edificada pelo ex-proprietário uma dependência isolada de 70 m2 para servir de morada para um filho. Portanto, desse precioso anexo utilizei 50 m2 – deixei vinte metros quadrados para a lavanderia – e com os “meus” 50 m2 construí a sala de música. Aliás, foi por essa ocasião que comecei a tornar-me cismarento em matéria de reprodução do som musical... Porque, ora bolas, se em som musical doméstico “tamanho fosse documento” eu teria no imóvel da Del Vecchio o mais próprio ambiente para reprodução da música em conserva: pé-direito de 3 m, 10 m no comprimento e 5 na largura. Mas tal não aconteceu na Del Vecchio, nem acontece em canto algum do Mundo. Merda!
Fotografia da metade do belo ambiente do anexo da Praça Dr. Del Vecchio. Vê-se um par do eletrostático QUAD-55 (sem a capa metálica), com tweeter em cima; não se veem os falantes do subgrave, encobertos pelos painéis eletrostáticos, visto que os woofer foram montados em baffle infinito verdadeiro nos cantos, embaixo, da parede de tijolos aparentes e maciços. Aquele aparelhinho no meio da sala era um divisor de frequência ativo, two way. |
Em 1983, transferi-me para a Lagoa da Conceição, em Floripa, e sobre duna consolidada com vista para a lagoa construí casa de madeira composta de dois módulos independentes: o residencial e o de lazer; neste ficavam o ateliê de arte de minha mulher pintora e a minha sala de música. A propósito, a sala de música foi feita no rigor das medidas do Segmento Áureo para pé-direito de 3 m, e três paredes de madeira, no capricho da técnica sand-filled brigguiana.
Quase todas as mil peripécias que ousei cometer na sand-filled é do conhecimento do meu leitor ermitão, por isso que, nos devidos tempos foram narradas e comentadas e mostradas em fotos – peripécias essas, quase todas, plenas de esperanças e ilusões seguidas..., pois é, seguidas de desilusões –, comentadas nos textos que então escrevi. Pois já entrara na minha vida audiófila, Fernando Andrette e sua CAVI de saudosa memória; e, como protesto, nascera o “Jornal de 1 artigo só”, de AudioDicas.
Mas eu permanecia cismarento: porra, quê me estava a faltar para completar a afinação de minha vitrola?
Mas eu permanecia cismarento: porra, quê me estava a faltar para completar a afinação de minha vitrola?