Artigo No. 6
ÂNGULO VERTICAL?
Por Holbein Menezes
22 dez. 2022
(publicado originalmente em 05 ago. 2001, sob o número 18)
Estava a escrever um artigo sobre, com licença da má palavra, palco sonoro, e buscava ilustrá-lo com opiniões experimentadas e competentes, uma dessas a de George Cardas. Cardas elaborou um esquema matemático para o bom arranjo de uma sala destinada à reprodução eletrônica do som musical, a que deu o nome de Cardas Audio Insights - Room setup. A base de seu arranjo é a proporção áurea estabelecida (?) pela AES (The Audio Engineering Society), ou seja, para cada 1 metro de pé-direito, 1,6 m para a largura e 2,5 m para o comprimento.
(Parêntese para erudição: A interrogação após a palavra "estabelecida" deve-se ao fato de que os egípcios construíram suas seculares pirâmides levando em conta uma proporção que tem muito da chamada proporção áurea. E os antigos geômetras gregos, estes de fato introduziram a proporção na sua geometria. Porém, só após 1496 foi a proporção denominada de proporção áurea. Deve-se isso ao matemático Pacioli, que escreveu um artigo intitulado De Divina Proporcione, em cujo trabalho refere-se à proporção como uma dádiva divina, que pode ser encontrada em qualquer ponto da Natureza. O artigo de Pacioli teve grande influência sobre Leonardo da Vinci, de quem era amigo, ao ponto de a conhecida Anatomia artística, de Da Vinci, está permeada dos mágicos números da proporção. Parêntese erudito fechado.)
Estava eu, pois, a trabalhar no artigo sobre palco sonoro (arre égua! duas vezes é dose!) quando, ao consultar os papéis que havia colhido na Internet deparei-me com uma informação transitória, dessas que se dá de passagem, sem muita certeza: na reprodução, há que se levar em conta também a altura...
Poxa! Deveras! Eu já vinha observando fazia tempo, que quando estava a ouvir música reproduzida e necessitava levantar-me para fazer qualquer ajuste, ao ficar de pé sentia que o som sofria alguma alteração. Grilado com a observação, certa feita sentei-me sobre duas almofadas, para poder observar o resultado. Aparentemente, com as duas almofadas nada notei ou não notei nada digno de nota (não consigo perder a oportunidade de construir uma aliteração... Ah! Ah!).
Mas após a "informação transitória" acima mencionada, fui à sala de música, desta vez levando comigo uma cadeira giratória dessas que se alçam ou baixam, próprias para escritório de arquitetura. Pus a cadeira na sua graduação mais alta, elevada do chão 80 centímetros. Apesar de estar com uma costela quebrada - o "menino" peralta andou abusando dos seus 80 anos - consegui sentar-me no assento. Antes, pusera no Technics A10 o mesmo CD da música que estivera a ouvir nos últimos dias, um trio de Beethoven, para piano e cordas, com instrumentos de época.
Ba! Que diferença! Os médios (violoncelo e piano) ficaram ligeiramente proeminentes, os agudos (violino) mais suaves, os baixos menos gordurosos passando a ilusão de melhor articulados. O som geral tornou-se mais forward, produzindo a ilusão de o conjunto estar a tocar na sala, diante de mim (o conjunto musical em questão é composto do pianista Patrick Cohen - tocando o pianoforte Anton Walter, Viena 1790 - Erich Höbarth, na viola e Christophane Coin, no violoncelo). Mas não gostei de os graves terem ficado mais magros.
Aí começou a dança do sobe e desce. As cadeiras da minha sala de música foram adquiridas num golpe de sorte, em Joinville, quando terminara de comer um marreco recheado, com repolho roxo, especialidade da casa Juca Alemão. Ao sair para a varanda do restaurante vi uma fila de sete cadeiras, conjuminadas, dessas de cinema antigo, ainda com assento de mola, daquelas poltronas que se movem para deixar o vizinho passar, lembram-se? Virei-me e perguntei ao garçom que me servira: E essas poltronas, são da casa? "Não - respostou o homem -, são de um conhecido nosso que deixou aqui após fechar seu cinema." E estão à venda - perguntei. "Não sei". Você sabe onde mora o dono das cadeiras? "Sei", foi a resposta monossilábica. Pois terá uma boa gorjeta - seduzi-o - se trouxer o homem aqui. Imediatamente vi intenso brilho nos olhos do garçom.
Resultado? Ora, em menos de uma semana eu instalava as poltronas do velho Paradise de Joinville, em minha mui falada sala sand-filled. E cá estão até hoje. Aparafusadas no piso, os assentos ficam a 40 cm do chão. Meus falantes Akron 40, Especial, estão suspensos do chão, 30 cm. São pares empilhados (stacked pair), de tal maneira que o intermeio fica a 1 m do chão, acima do nível dos ouvidos de uma pessoa de 1,60 m como eu, sentada nas benditas poltronas. (Esses cálculos todos só foram pensados depois. Mais na frente atinarão o valor deles.)
Instalei a cadeira giratória e só aí começou de fato a dança do sobe e desce. Na graduação máxima, o assento 80 cm acima do chão, o som perdia graves e ganhava em médios; na graduação mínima, acontecia o contrário. Naquela a ilusão de palco era aceitável, inda que produzindo a aparência de os músicos estarem um pouco elevados. Na altura menor, o som baixava. Aliás, é o igual fenômeno que acontece com caixas de alto-falantes: próximas ao chão, reforçam o grave mas o som é baixo; elevadas, reforçam os médios e o som sobe. Muita gente sabe disso, já viveu a situação.
(Parêntese para especulações. (Diz-se que a especulação é a véspera da enunciação científica...) Todos sabemos que tem muita influência na percepção do som musical o ângulo horizontal constituído pelas linhas invisíveis que saem do eixo dos falantes e vão ao ouvinte; em geral, a bissetriz desse ângulo é o ponto escolhido como local do assento do dono da sala. Com essa premissa em vista, presumo que o ângulo vertical formado de modo semelhante, e sua bissetriz, tenham também não menor influência. E presumo isso por ter lido alhures que a posição mais indicada para se posicionar o microfone destinado a captar o som de um piano é a bissetriz do ângulo vertical formado com a tampa aberta e a parte superior do corpo do piano, mantendo-se, naturalmente, determinado distanciamento. E também por ter visto na excelente gravação em leiserdisco, das suítes de Bach para violoncelo desacompanhado, no extraordinário desempenho de Mstislav Rostropovich, serem os dois microfones posicionados a uma dada distância, na bissetriz do ângulo vertical, ou numa variante dela. Porque o comum é gravar-se violoncelo com os microfones ao nível do eixo do instrumento. O que, aliás, produz um som de cordas demasiado duro.
Continuando com as especulações: todos os estudos de arranjo físico para salas de reprodução eletrônica do som musical que tenho lido indicam o posicionamento do assento principal (o do dono da sala) na bissetriz do ângulo horizontal. Quer dizer: a preocupação é apenas no plano horizontal. Isso talvez se deva ao fato de não ser "normal" alguém posicionar sua cadeira de audição elevada um metro do chão, tipo aquela cena cômica do filme de Charles Chaplin, O Grande Ditador, Hitler a disputar com Mussolini o "lugar mais alto do pódio"... da vaidade.
Mas, convenhamos, se há uma ótima posição horizontal em cada sala - a bissetriz - deve haver, é lógico, uma ótima posição vertical, inda que jamais seja levada em conta. Reforça essa minha crença a "mania" que certos freqüentadores assíduos de teatros de ópera têm, de "possuír" lugares "cativos". O saudoso Orlando Guimarães - que chegou a responder sobre música no programa de Jota Silvestre, O céu é o limite -, sentava-se sempre na mesma poltrona no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Um vez perguntei: Orlando, por que você prefere sempre esta poltrona? Resposta: "Porque é o melhor som do teatro." Já o musicólogo Ernesto Bueno - que chegou a escrever um livro sobre Wagner, jamais editado e deve ter-se extraviado após sua morte - gostava de sentar-se exatamente na cadeira do centro da primeira fila do balcão nobre. Por que, Ernesto - perguntei. "Porque aqui o som me chega quente!" - respondeu. (Curiosidade: o balcão nobre do Municipal do Rio fica na bissetriz vertical do teatro...)
Mas há dois pormenores nos exemplos citados: Orlando não só gostava de música, gozava-a, senti-a, jamais a intelectualizava, nem aí para interpretações, a melodia era que importava para ele, a melodia e os motivos. Ernesto, ao contrário, estudava, tentava penetrar na estrutura, descobrir tecnicidades para construir seus afamados ditos; um deles: "A música erudita se divide entre antes e depois de Wagner". Outro: "Bruckner é o Wagner sinfônico que deu certo". E mais um: "Mahler teve que esperar a estereofonia para se tornar conhecido". Ah! que saudade desses musicistas. A música para eles era soberana. Não eram audiófilos, não gostavam dos aparelhos, para esses, os aparelhos eram veículos para a música. E aqui fecho o longo parêntese das especulações.)
E continuo o texto. Minha sala tem 3 m de pé-direito; os alto-falantes estão a 30 cm do chão, já disse, e medem - a altura total do par empilhado - 1,50 m; que dizer, o topo dos painéis fica quase na metade da altura da sala (60%). Experimentei pôr a cadeira giratória na altura em que, eu sentado, meus ouvidos ficassem em linha reta próximos do nível do topo dos falantes, ou seja, quase na metade do pé-direito. Não gostei do resultado sonoro. Aí fui baixando a cadeira giratória até um ponto em que meus ouvidos ficaram a 1,30 m do chão, resultando numa excelente ilusão de palco e ótimo balanceamento tonal.
Ora (mais especulação), por que só a 1,30 m? Fui raciocinar: o forro de minha sala é de placas de eucatex, de espessuras desiguais para ensejar dispersão; o piso é de cerâmica. Este, que é refletor, deve proporcionar mais rápida reflexão do que aquele, que é absorvente. Em casos assim é possível que a bissetriz vertical não seja a melhor posição. A melhor posição continua a ser, pois, produto do velho e cansado de guerra ensaio e erro.
De forma assemelhada aconteceu com o esquema Cardas de arranjo físico para uma sala destinada à reprodução eletrônica do som musical. Quando arrumei minha sala pus tudo conforme o esquema do Cardas, ou seja, os painéis ribbon distantes do fundo da sala, 1,85 m; o meu assento, também a 1,85 cm da parede de trás. O eixo de cada painel, a 1,30 m das paredes laterais. Com o tempo, porém, via o bom e eficiente processo do ensaio e erro fui alterando cada uma dessas medidas de forma que hoje tenho diferenças de até 5%, delas. Essas diferenças, eu acho, se devem ao fator absorção, que numa sala de madeira, como a minha, com permeio de areia não deve ser igual a uma sala de alvenaria, de tijolo sólido. Aliás, George Cardas admite essas variações e as denomina de "ajuste fino".
Mas o Cardas nada informa - por quê? - sobre a posição do assento, e das caixas, com relação às alturas deles. Alturas que devem ser levadas em conta, logicamente, se tudo numa sala de som é proporcional. Tudo obedece à fórmula Phi, ou seja, 0.6180339887... para 1 ou 1.6180339887... Assim, pois, por que não a altura do assento, hem? Quem tem uma melhor especulação?
NÃO É UM SUPERTESTE, É UM TESTE EFETIVO.
From: Márcio Santos.
Sent: Monday, July 16, 2001 2:17 AM
Subject: Eu.
Hobein, demorei a escrever porque não queria falar besteira, antes de dizer alguma coisa queria ter certeza do que ouvi. Como já te disse, foi a primeira vez que utilizei cabos de primeira linha, e realmente eles fazem diferença, melhorou tudo.
Fiquei pasmo! Como todos sabem, o elo mais fraco determina o resultado final. O teu cabo (o The Second, do van den Hul. Holbein.) foi instalado entre o pré e o power; entre o CD/DVD e o pré utilizo o C5 da van den Hul, que me custou menos de R$100 (comprei o cabo e montei com conectores da Santo Ângelo, utilizei solda de prata) e cabos de caixa da XLO, de R$20/m, ou seja, ele está no meio de cabos muitíssimo inferiores; mesmo assim, pude perceber uma diferença enorme mesmo utilizando o mesmo cabo de caixa. Fico a imaginar o que aconteceria se utilizasse também um The Second entre o CD e o pré. Pareceu-me também que, se o sistema estiver equilibrado, esse cabo deixa o som morto, ele é perfeito para ser instalado em um sistema com algum excesso de médios/agudos.
Vamos aos detalhes: eu realmente estava certo em relação ao pré, este era o ponto fraco, o excesso de médios/agudos vinha dele, quando coloquei o teu cabo entre o CD e o pré o resultado não foi tão bom com relação ao excesso das altas freqüências, mas quando foi colocado entre o pré e o power a coisa mudou de figura. Está tudo melhor, tenho uma noção de profundidade bem melhor, o grave ficou mais encorpado e firme, antes só ouvia as cordas do violão mas agora dá para ouvir o som que vem de dentro do violão; com isso, o som do violão está mais cheio e definido, também houve melhora nas vozes, bom, não vou me alongar mais, a sensação é de que estou ouvindo outro sistema.
Ontem fui na casa de um amigo, ele tem um receiver pioneer 454, um CD JVC (muito bom para o que custa, não é um CD hifi mas tem um som muito agradável), as caixas... bom, as caixas eu montei com restos, projetei no computador uma caixa para um par de falantes de oito polegadas da Bravox. Eu acho que fiz um bom serviço, o grave ficou muito bom, considerando que esses falantes custam R$100 o par e não foi utilizado crossower. Um dos problemas é que todos os falantes são automotivos, os médios e tweeters automotivos são muito direcionais e fica impossível obter um palco razoável. O woofer de oito polegadas Bravox e os médios Pioneer estão equilibrados, têm 88dB de sensibilidade mas os tweeters têm 92dB mas gritam demais; mas o caso era gastar pouco e utilizamos o que tínhamos à mão. Continuando, fui até a casa do meu amigo e só por maldade levei o The Second; meu amigo tem cabos de caixa van den Hul e RCA da XLO, dos mais baratos. Depois de ouvir o som com o teu cabo, ele ficou de boca aberta, melhorou demais, toda a agressividade acabou, só não compra um igual porque esse cabo custa mais do que vale todo o sistema de som dele.
Por estas e outras é que fico irritado com esses pretensos conhecedores de áudio, que escrevem em listas de áudio ou até em fóruns e deseducam quem está começando e precisa de orientação. Afirmam que em sistemas baratos cabos caros não produzem diferenças audíveis, dizem que se o cabo for barato a marca não influencia, todos tocam igual porque os detalhes só são perceptíveis em equipamentos high end, na maioria das vezes nem sabem o que é high end pois afirmam que um receiver ou DVD são high end apenas porque custam caro. É claro que existem limites impostos pelo bom senso mas se pegarmos um minisystem CCE, de R$300, e colocarmos um bom cabo de caixa ele se transforma; se um desses ateus ouvisse a diferença que o The Second fez no sistema de áudio do meu amigo, cujo custo é menos do que o do cabo, veriam que um cabo faz diferença em qualquer equipamento não importa o preço.
Um Abraço
Márcio
From: Holbein Menezes
To: Márcio
Sent: Monday, July 16, 2001 8:50 AM
Subject: Re: Eu
Mais uma vez vou pedir sua licença para transcrever seu imeio - feita a adaptação jornalística, é claro - na audiodicas. Você tocou num ponto muito importante: a subestimação por parte da mídia especializada em áudio, pelo aspecto didático das matérias que veicula. Quando tal mídia escreve alguma coisa, faz de forma peremptória, tipo magister dixit, isso é isto e pronto,
Ninguém deve aceitar a influência de um cabo num sistema de áudio sem jamais ter feito a experiência correspondente. Mas quando faz constata, como você constatou - você e seu amigo - que um cabo funciona na verdade e na prática como um equalizador passivo. Dá certo num elo e nem tanto, noutro: o mesmo cabo! O que pode querer significar que a "melhora" ou "piora" não se deve ao cabo em si mas a circunstância de as características peculiares do cabo favorecer ou não às necessidades do circuito de que ele cabo passa a fazer parte. Desse ponto de vista, não há cabo melhor nem pior que outro senão cabo cujo processo e forma de fabricação dão a ele características peculiares; essas sim, podem favorecer ou não um dado circuito. Que é o papel de qualquer equalizador passivo.
O que nos conduz ao ignorado papel do formante no ajuste de um sistema de som. O formante é a característica do som musical de um dado instrumento; não é o timbre desse instrumento, mesmo porque timbre é sempre a relação dos harmônicos de um tom. O formante de um cabo - e como um cabo não é um instrumento, não produz timbres -, como qualquer formante tem relação com o modo de fabricação do cabo: material empregado, revestimento, isolação dos dielétricos etc. Tais aspectos, que diferem de cabo a cabo, de marca a marca, é que fazem a característica do cabo (formante), a qual pode ou não favorecer um dado circuito.
Com base nesse modo de pensar, é grossa sacanagem um articulista propagar um cabo como excelente sobre todos os outros, SEM INDICAR O CONTEXTO. O cabo em si não é excelente - grosso modo, nenhum cabo é bom ou ruim -, excelente foi o casual casamento dele com o circuito em que foi inserido.
Mas dizer isso, propagar essa verdade simples não vende...
Holbein
Por Holbein Menezes
22 dez. 2022
(publicado originalmente em 05 ago. 2001, sob o número 18)
Estava a escrever um artigo sobre, com licença da má palavra, palco sonoro, e buscava ilustrá-lo com opiniões experimentadas e competentes, uma dessas a de George Cardas. Cardas elaborou um esquema matemático para o bom arranjo de uma sala destinada à reprodução eletrônica do som musical, a que deu o nome de Cardas Audio Insights - Room setup. A base de seu arranjo é a proporção áurea estabelecida (?) pela AES (The Audio Engineering Society), ou seja, para cada 1 metro de pé-direito, 1,6 m para a largura e 2,5 m para o comprimento.
(Parêntese para erudição: A interrogação após a palavra "estabelecida" deve-se ao fato de que os egípcios construíram suas seculares pirâmides levando em conta uma proporção que tem muito da chamada proporção áurea. E os antigos geômetras gregos, estes de fato introduziram a proporção na sua geometria. Porém, só após 1496 foi a proporção denominada de proporção áurea. Deve-se isso ao matemático Pacioli, que escreveu um artigo intitulado De Divina Proporcione, em cujo trabalho refere-se à proporção como uma dádiva divina, que pode ser encontrada em qualquer ponto da Natureza. O artigo de Pacioli teve grande influência sobre Leonardo da Vinci, de quem era amigo, ao ponto de a conhecida Anatomia artística, de Da Vinci, está permeada dos mágicos números da proporção. Parêntese erudito fechado.)
Estava eu, pois, a trabalhar no artigo sobre palco sonoro (arre égua! duas vezes é dose!) quando, ao consultar os papéis que havia colhido na Internet deparei-me com uma informação transitória, dessas que se dá de passagem, sem muita certeza: na reprodução, há que se levar em conta também a altura...
Poxa! Deveras! Eu já vinha observando fazia tempo, que quando estava a ouvir música reproduzida e necessitava levantar-me para fazer qualquer ajuste, ao ficar de pé sentia que o som sofria alguma alteração. Grilado com a observação, certa feita sentei-me sobre duas almofadas, para poder observar o resultado. Aparentemente, com as duas almofadas nada notei ou não notei nada digno de nota (não consigo perder a oportunidade de construir uma aliteração... Ah! Ah!).
Mas após a "informação transitória" acima mencionada, fui à sala de música, desta vez levando comigo uma cadeira giratória dessas que se alçam ou baixam, próprias para escritório de arquitetura. Pus a cadeira na sua graduação mais alta, elevada do chão 80 centímetros. Apesar de estar com uma costela quebrada - o "menino" peralta andou abusando dos seus 80 anos - consegui sentar-me no assento. Antes, pusera no Technics A10 o mesmo CD da música que estivera a ouvir nos últimos dias, um trio de Beethoven, para piano e cordas, com instrumentos de época.
Ba! Que diferença! Os médios (violoncelo e piano) ficaram ligeiramente proeminentes, os agudos (violino) mais suaves, os baixos menos gordurosos passando a ilusão de melhor articulados. O som geral tornou-se mais forward, produzindo a ilusão de o conjunto estar a tocar na sala, diante de mim (o conjunto musical em questão é composto do pianista Patrick Cohen - tocando o pianoforte Anton Walter, Viena 1790 - Erich Höbarth, na viola e Christophane Coin, no violoncelo). Mas não gostei de os graves terem ficado mais magros.
Aí começou a dança do sobe e desce. As cadeiras da minha sala de música foram adquiridas num golpe de sorte, em Joinville, quando terminara de comer um marreco recheado, com repolho roxo, especialidade da casa Juca Alemão. Ao sair para a varanda do restaurante vi uma fila de sete cadeiras, conjuminadas, dessas de cinema antigo, ainda com assento de mola, daquelas poltronas que se movem para deixar o vizinho passar, lembram-se? Virei-me e perguntei ao garçom que me servira: E essas poltronas, são da casa? "Não - respostou o homem -, são de um conhecido nosso que deixou aqui após fechar seu cinema." E estão à venda - perguntei. "Não sei". Você sabe onde mora o dono das cadeiras? "Sei", foi a resposta monossilábica. Pois terá uma boa gorjeta - seduzi-o - se trouxer o homem aqui. Imediatamente vi intenso brilho nos olhos do garçom.
Resultado? Ora, em menos de uma semana eu instalava as poltronas do velho Paradise de Joinville, em minha mui falada sala sand-filled. E cá estão até hoje. Aparafusadas no piso, os assentos ficam a 40 cm do chão. Meus falantes Akron 40, Especial, estão suspensos do chão, 30 cm. São pares empilhados (stacked pair), de tal maneira que o intermeio fica a 1 m do chão, acima do nível dos ouvidos de uma pessoa de 1,60 m como eu, sentada nas benditas poltronas. (Esses cálculos todos só foram pensados depois. Mais na frente atinarão o valor deles.)
Instalei a cadeira giratória e só aí começou de fato a dança do sobe e desce. Na graduação máxima, o assento 80 cm acima do chão, o som perdia graves e ganhava em médios; na graduação mínima, acontecia o contrário. Naquela a ilusão de palco era aceitável, inda que produzindo a aparência de os músicos estarem um pouco elevados. Na altura menor, o som baixava. Aliás, é o igual fenômeno que acontece com caixas de alto-falantes: próximas ao chão, reforçam o grave mas o som é baixo; elevadas, reforçam os médios e o som sobe. Muita gente sabe disso, já viveu a situação.
(Parêntese para especulações. (Diz-se que a especulação é a véspera da enunciação científica...) Todos sabemos que tem muita influência na percepção do som musical o ângulo horizontal constituído pelas linhas invisíveis que saem do eixo dos falantes e vão ao ouvinte; em geral, a bissetriz desse ângulo é o ponto escolhido como local do assento do dono da sala. Com essa premissa em vista, presumo que o ângulo vertical formado de modo semelhante, e sua bissetriz, tenham também não menor influência. E presumo isso por ter lido alhures que a posição mais indicada para se posicionar o microfone destinado a captar o som de um piano é a bissetriz do ângulo vertical formado com a tampa aberta e a parte superior do corpo do piano, mantendo-se, naturalmente, determinado distanciamento. E também por ter visto na excelente gravação em leiserdisco, das suítes de Bach para violoncelo desacompanhado, no extraordinário desempenho de Mstislav Rostropovich, serem os dois microfones posicionados a uma dada distância, na bissetriz do ângulo vertical, ou numa variante dela. Porque o comum é gravar-se violoncelo com os microfones ao nível do eixo do instrumento. O que, aliás, produz um som de cordas demasiado duro.
Continuando com as especulações: todos os estudos de arranjo físico para salas de reprodução eletrônica do som musical que tenho lido indicam o posicionamento do assento principal (o do dono da sala) na bissetriz do ângulo horizontal. Quer dizer: a preocupação é apenas no plano horizontal. Isso talvez se deva ao fato de não ser "normal" alguém posicionar sua cadeira de audição elevada um metro do chão, tipo aquela cena cômica do filme de Charles Chaplin, O Grande Ditador, Hitler a disputar com Mussolini o "lugar mais alto do pódio"... da vaidade.
Mas, convenhamos, se há uma ótima posição horizontal em cada sala - a bissetriz - deve haver, é lógico, uma ótima posição vertical, inda que jamais seja levada em conta. Reforça essa minha crença a "mania" que certos freqüentadores assíduos de teatros de ópera têm, de "possuír" lugares "cativos". O saudoso Orlando Guimarães - que chegou a responder sobre música no programa de Jota Silvestre, O céu é o limite -, sentava-se sempre na mesma poltrona no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Um vez perguntei: Orlando, por que você prefere sempre esta poltrona? Resposta: "Porque é o melhor som do teatro." Já o musicólogo Ernesto Bueno - que chegou a escrever um livro sobre Wagner, jamais editado e deve ter-se extraviado após sua morte - gostava de sentar-se exatamente na cadeira do centro da primeira fila do balcão nobre. Por que, Ernesto - perguntei. "Porque aqui o som me chega quente!" - respondeu. (Curiosidade: o balcão nobre do Municipal do Rio fica na bissetriz vertical do teatro...)
Mas há dois pormenores nos exemplos citados: Orlando não só gostava de música, gozava-a, senti-a, jamais a intelectualizava, nem aí para interpretações, a melodia era que importava para ele, a melodia e os motivos. Ernesto, ao contrário, estudava, tentava penetrar na estrutura, descobrir tecnicidades para construir seus afamados ditos; um deles: "A música erudita se divide entre antes e depois de Wagner". Outro: "Bruckner é o Wagner sinfônico que deu certo". E mais um: "Mahler teve que esperar a estereofonia para se tornar conhecido". Ah! que saudade desses musicistas. A música para eles era soberana. Não eram audiófilos, não gostavam dos aparelhos, para esses, os aparelhos eram veículos para a música. E aqui fecho o longo parêntese das especulações.)
E continuo o texto. Minha sala tem 3 m de pé-direito; os alto-falantes estão a 30 cm do chão, já disse, e medem - a altura total do par empilhado - 1,50 m; que dizer, o topo dos painéis fica quase na metade da altura da sala (60%). Experimentei pôr a cadeira giratória na altura em que, eu sentado, meus ouvidos ficassem em linha reta próximos do nível do topo dos falantes, ou seja, quase na metade do pé-direito. Não gostei do resultado sonoro. Aí fui baixando a cadeira giratória até um ponto em que meus ouvidos ficaram a 1,30 m do chão, resultando numa excelente ilusão de palco e ótimo balanceamento tonal.
Ora (mais especulação), por que só a 1,30 m? Fui raciocinar: o forro de minha sala é de placas de eucatex, de espessuras desiguais para ensejar dispersão; o piso é de cerâmica. Este, que é refletor, deve proporcionar mais rápida reflexão do que aquele, que é absorvente. Em casos assim é possível que a bissetriz vertical não seja a melhor posição. A melhor posição continua a ser, pois, produto do velho e cansado de guerra ensaio e erro.
De forma assemelhada aconteceu com o esquema Cardas de arranjo físico para uma sala destinada à reprodução eletrônica do som musical. Quando arrumei minha sala pus tudo conforme o esquema do Cardas, ou seja, os painéis ribbon distantes do fundo da sala, 1,85 m; o meu assento, também a 1,85 cm da parede de trás. O eixo de cada painel, a 1,30 m das paredes laterais. Com o tempo, porém, via o bom e eficiente processo do ensaio e erro fui alterando cada uma dessas medidas de forma que hoje tenho diferenças de até 5%, delas. Essas diferenças, eu acho, se devem ao fator absorção, que numa sala de madeira, como a minha, com permeio de areia não deve ser igual a uma sala de alvenaria, de tijolo sólido. Aliás, George Cardas admite essas variações e as denomina de "ajuste fino".
Mas o Cardas nada informa - por quê? - sobre a posição do assento, e das caixas, com relação às alturas deles. Alturas que devem ser levadas em conta, logicamente, se tudo numa sala de som é proporcional. Tudo obedece à fórmula Phi, ou seja, 0.6180339887... para 1 ou 1.6180339887... Assim, pois, por que não a altura do assento, hem? Quem tem uma melhor especulação?
NÃO É UM SUPERTESTE, É UM TESTE EFETIVO.
From: Márcio Santos.
Sent: Monday, July 16, 2001 2:17 AM
Subject: Eu.
Hobein, demorei a escrever porque não queria falar besteira, antes de dizer alguma coisa queria ter certeza do que ouvi. Como já te disse, foi a primeira vez que utilizei cabos de primeira linha, e realmente eles fazem diferença, melhorou tudo.
Fiquei pasmo! Como todos sabem, o elo mais fraco determina o resultado final. O teu cabo (o The Second, do van den Hul. Holbein.) foi instalado entre o pré e o power; entre o CD/DVD e o pré utilizo o C5 da van den Hul, que me custou menos de R$100 (comprei o cabo e montei com conectores da Santo Ângelo, utilizei solda de prata) e cabos de caixa da XLO, de R$20/m, ou seja, ele está no meio de cabos muitíssimo inferiores; mesmo assim, pude perceber uma diferença enorme mesmo utilizando o mesmo cabo de caixa. Fico a imaginar o que aconteceria se utilizasse também um The Second entre o CD e o pré. Pareceu-me também que, se o sistema estiver equilibrado, esse cabo deixa o som morto, ele é perfeito para ser instalado em um sistema com algum excesso de médios/agudos.
Vamos aos detalhes: eu realmente estava certo em relação ao pré, este era o ponto fraco, o excesso de médios/agudos vinha dele, quando coloquei o teu cabo entre o CD e o pré o resultado não foi tão bom com relação ao excesso das altas freqüências, mas quando foi colocado entre o pré e o power a coisa mudou de figura. Está tudo melhor, tenho uma noção de profundidade bem melhor, o grave ficou mais encorpado e firme, antes só ouvia as cordas do violão mas agora dá para ouvir o som que vem de dentro do violão; com isso, o som do violão está mais cheio e definido, também houve melhora nas vozes, bom, não vou me alongar mais, a sensação é de que estou ouvindo outro sistema.
Ontem fui na casa de um amigo, ele tem um receiver pioneer 454, um CD JVC (muito bom para o que custa, não é um CD hifi mas tem um som muito agradável), as caixas... bom, as caixas eu montei com restos, projetei no computador uma caixa para um par de falantes de oito polegadas da Bravox. Eu acho que fiz um bom serviço, o grave ficou muito bom, considerando que esses falantes custam R$100 o par e não foi utilizado crossower. Um dos problemas é que todos os falantes são automotivos, os médios e tweeters automotivos são muito direcionais e fica impossível obter um palco razoável. O woofer de oito polegadas Bravox e os médios Pioneer estão equilibrados, têm 88dB de sensibilidade mas os tweeters têm 92dB mas gritam demais; mas o caso era gastar pouco e utilizamos o que tínhamos à mão. Continuando, fui até a casa do meu amigo e só por maldade levei o The Second; meu amigo tem cabos de caixa van den Hul e RCA da XLO, dos mais baratos. Depois de ouvir o som com o teu cabo, ele ficou de boca aberta, melhorou demais, toda a agressividade acabou, só não compra um igual porque esse cabo custa mais do que vale todo o sistema de som dele.
Por estas e outras é que fico irritado com esses pretensos conhecedores de áudio, que escrevem em listas de áudio ou até em fóruns e deseducam quem está começando e precisa de orientação. Afirmam que em sistemas baratos cabos caros não produzem diferenças audíveis, dizem que se o cabo for barato a marca não influencia, todos tocam igual porque os detalhes só são perceptíveis em equipamentos high end, na maioria das vezes nem sabem o que é high end pois afirmam que um receiver ou DVD são high end apenas porque custam caro. É claro que existem limites impostos pelo bom senso mas se pegarmos um minisystem CCE, de R$300, e colocarmos um bom cabo de caixa ele se transforma; se um desses ateus ouvisse a diferença que o The Second fez no sistema de áudio do meu amigo, cujo custo é menos do que o do cabo, veriam que um cabo faz diferença em qualquer equipamento não importa o preço.
Um Abraço
Márcio
From: Holbein Menezes
To: Márcio
Sent: Monday, July 16, 2001 8:50 AM
Subject: Re: Eu
Mais uma vez vou pedir sua licença para transcrever seu imeio - feita a adaptação jornalística, é claro - na audiodicas. Você tocou num ponto muito importante: a subestimação por parte da mídia especializada em áudio, pelo aspecto didático das matérias que veicula. Quando tal mídia escreve alguma coisa, faz de forma peremptória, tipo magister dixit, isso é isto e pronto,
Ninguém deve aceitar a influência de um cabo num sistema de áudio sem jamais ter feito a experiência correspondente. Mas quando faz constata, como você constatou - você e seu amigo - que um cabo funciona na verdade e na prática como um equalizador passivo. Dá certo num elo e nem tanto, noutro: o mesmo cabo! O que pode querer significar que a "melhora" ou "piora" não se deve ao cabo em si mas a circunstância de as características peculiares do cabo favorecer ou não às necessidades do circuito de que ele cabo passa a fazer parte. Desse ponto de vista, não há cabo melhor nem pior que outro senão cabo cujo processo e forma de fabricação dão a ele características peculiares; essas sim, podem favorecer ou não um dado circuito. Que é o papel de qualquer equalizador passivo.
O que nos conduz ao ignorado papel do formante no ajuste de um sistema de som. O formante é a característica do som musical de um dado instrumento; não é o timbre desse instrumento, mesmo porque timbre é sempre a relação dos harmônicos de um tom. O formante de um cabo - e como um cabo não é um instrumento, não produz timbres -, como qualquer formante tem relação com o modo de fabricação do cabo: material empregado, revestimento, isolação dos dielétricos etc. Tais aspectos, que diferem de cabo a cabo, de marca a marca, é que fazem a característica do cabo (formante), a qual pode ou não favorecer um dado circuito.
Com base nesse modo de pensar, é grossa sacanagem um articulista propagar um cabo como excelente sobre todos os outros, SEM INDICAR O CONTEXTO. O cabo em si não é excelente - grosso modo, nenhum cabo é bom ou ruim -, excelente foi o casual casamento dele com o circuito em que foi inserido.
Mas dizer isso, propagar essa verdade simples não vende...
Holbein