Artigo No.5
PALCO SONORO ou A GRANDE A(I)LUSÃO DOS TESTADORES
Por Holbein Menezes
11 dez. 2022
(publicado originalmente em 28 ago. 2001, sob o número 19)
Fala-se demais em palco sonoro, e fala-se como se fora coisa pronta e acabada, definida e definitiva, e estática, e concreta, e perceptível. Refere-se a ele às vezes como objeto e por vezes como objetivo. Porém sempre se afirmando que está ali à sua frente. Ou devia estar. Se você não o percebe, então, coitado de você! seu sistema eletrônico para a reprodução do som musical não está “equilibrado”... Quantas vezes já não li testes de equipamentos eletrônicos com esta conclusão!
A meu ver, tal sumário “diagnóstico” sacado contra sistemas eletrônicos para a reprodução do som musical é pura enganação; misturada com alguma dose de perversidade (talvez o objetivo não manifestado do “resenheiro” que assim pontifica seja vender a você outro produto...) Cuidado, portanto!
Porque, meus leitores, os freqüentadores costumeiros de concertos e recitais e shows ao vivo sabem que o evento original não possui palco sonoro. Ou, pelo menos, não possui só um tipo de palco sonoro. Vejam: nos shows ao relento, por ausência de reverberação no ambiente, a música vem de um ponto indefinido, inda que identificável. Mas os espectadores só “identificam” que o som vem da frente por estarem na parte frontal do palanque, com os olhos voltados para o tablado do show. Identificam porque estão vendo o espetáculo. Basta porém fecharem os olhos ou virarem-se para trás e o ponto do palco torna-se indeterminado. A simples ausência da imagem, da retina, leva a que ela vá para a zona cortical da imaginação ou da memória, e não a da audição. Em outras palavras: de música “ao vivo”, evento concreto, passa à categoria de percepção subjetiva. E, como em toda percepção subjetiva, o palco passa também a ser subjetivo. Deixa de existir de fato e passa a existir como lembrança.
Aliás, isso acontece com qualquer fonte de som. Se você estiver vendo a fonte do zumbido, você sabe de onde o zumbido provém, mas se ouve o zumbido de dentro de sua casa, só saberá de onde o zumbido procede se conhecer de antemão a fonte dele. É o que ocorre, por exemplo, com trovões. Se vemos o relâmpago num ponto qualquer do céu, com certeza identificaremos segundos mais tarde o lado de onde vem o decorrente zumbido do trovão. Mas se o escutamos de dentro de casa ou do escritório, essa identificação torna-se problemática: pode lhe parecer que vem de um lado ou de outro, tudo vai depender das reflexões envolvidas.
Nos concertos e recitais em teatros, quer dizer, em recintos fechados com reverberação controlada, a noção do palco vai depender do ponto onde estivermos postados. Na “torrinha” dos teatros de ópera (teatro de ópera não é uma casa de espetáculos só para ópera; assim se designa qualquer teatro de grande porte com capacidade para exibir também óperas), na “torrinha”, por exemplo, ouve-se o som da música como se vê o espetáculo, de ponta-cabeça, ou seja, de cima para baixo. Nessas condições, ouve-se um som sem perspectiva ou de estreita e enviesada perspectiva, como se estivéssemos assistindo ao espetáculo pelo lado de fora do recinto, através de uma janela... (Sei do que estou falando, tive experiências a mancheias, é muito esquisito.)
Mas nos teatros de ópera há também o som dos camarotes, que é aconchegante porque em geral amaciado por cortinas e guarnições de veludo, e pobre em perspectiva; das frisas, muito próximo do som dos camarotes, mas de melhor perspectiva porquanto ficam quase ao nível da plateia; do balcão nobre, que recebe todo o brilho dos médios uma vez que está situado de frente para o palco e na bissetriz do ângulo vertical formado pelo piso e teto do teatro; da plateia, que é suave, perspectivo, longínquo, mas algo soturno. Há também o som do maestro (que Deus o proteja!), impactante, nas fuças, por vezes mais de 100 decibéis explodidos dentro dos tímpanos do pobre coitado... E, por fim, há o som de cada músico, que ouve seu instrumento em desproporção com o som do instrumento do colega vizinho, por isso que escuta o dele bem perto dos ouvidos e no viés das preocupações com o andamento indicado pelo regente – um olho no cravo e outro na ferradura, ou, propriamente, uma espiada de esguelha no maestro e atenção nos símbolos da partitura em sua frente (parte da partitura).
Palco sonoro como coisa concreta, definida, estável, estanque, compartimentada, o som de cada músico e cada músico no seu lugar, a voz de cada instrumento e cada voz vinda de um dado ponto, bem, essa coisa arrumadinha não existe em música, nem ao vivo nem na reprodução em conserva. Na reprodução em conserva porque na maioria das vezes as gravações são “trabalhadas” pelos produtores. Música gravada hoje, vozes postadas noutro dia. E ainda: na hora da gravação da música os naipes são divididos e, não raro, compartimentados: contrabaixo (no caso de jazz) dentro de um cubículo fechado, metais isolados das cordas por painéis isolantes, solistas com microfones exclusivos. E mais o poder do senhor engenheiro de som encarregado da mesa, com seus nervosos dedos e uma porção de botões (resistores variáveis) à disposição... E, sabemos, por via de tais botões o som de um instrumento pode parecer mais longe ou mais perto, ao gosto do senhor engenheiro de som.
E não falo da localização dos microfones e seus múltiplos canais. Ao gosto dos técnicos de áudio e ao capricho do técnico da mesa; um som da esquerda pode ser trocado e ouvido na direita, no centro, na frente, atrás, onde os técnicos quiserem, até mesmo na esquerda onde se originou. Pode ser ouvido forte ou fraco, nítido e articulado ou sutil e indistinto.
Onde então palco sonoro definido e definitivo nas gravações que escutamos?
É verdade que há os discos audiófilos... (Desculpem meu perfeccionismo lingüístico, mas não entendo porque “audiófilo” para designar um tipo de gravação. Audiófilo é uma palavra composta de áudio, do latim audïre = ouvir, mais filo, do grego phÿlon = tribo, raça. O termo audiófilo designa ou devia designar a “tribo/raça dos ouvintes” ou uma pessoa dessa tribo. Mas um disco? Que me conste um disco não é ouvinte nem pertence a “tribo” nenhuma.)
É verdade também que a grande maioria dos discos não é audiófilo, estes são apenas uma meia dúzia, feitos por diletantes, produzidos por abnegados, pequenas empresas artesanais a comercializar pequeníssimas quantidades, que não chegam a contar no mar (milhões) dos discos fabricados por companhias multinacionais via máquinas automáticas, e engenheiros de som transformados em manipuladores de espectros de bandas.
Para a exceção do chamado disco audiófilo até que pode fazer sentido falar em palco sonoro porque aqui há um arranjo físico na hora da gravação, o leiaute é predeterminado para lograr um dado efeito e tais efeitos sonoros podem e devem ser passados de igual maneira, ou próximo dela, na reprodução. Mas é a exceção, não é a regra geral, e se não é a regra geral não pode servir de parâmetro para medir coisa alguma. Entenderam agora minha bronca contra palco sonoro e o comparsa dele, o tal “sistema equilibrado ou não equilibrado”?
Sem falar na influência - valha-me meu santo Padim Pade Ciço! -, sem falar na influência da crítica instalação do sistema de som na sala de reprodução. A tirar pelo esquema divulgado pelo George Cardas, que se baseou em normas técnicas estabelecidas (?) pela AES (Sociedade dos Engenheiros de Áudio), dos Estados Unidos, para haver boa imagem (o tal palco sonoro) a sala de audição tem que ter as medidas do segmento áureo, ou andar perto disso. E tem que está disposta (arranjada) nos termos da equação Phi, formada pelos fatores .6180339887... para 1 ou 1 para 1.6180339887... multiplicados pela altura. Entenderam? Nem eu.
Então é melhor abordarmos outro aspecto da instalação do sistema de som: a meu ver e a rigor, ou sob ponto de vista técnico sistema de som não equilibrado é aquele cujas impedâncias não se casam. Isto, sim! E o que é casar uma impedância?
Vejam a resposta que dei a esse propósito ao meu amigo Márcio Santos, de Pelotas:
Você, Márcio, que tem o bom gosto de me ler sabe da minha opinião sobre cabos e marcas de equipamentos. Jamais são eles uma coisa em si, ou seja, agem de forma absoluta, quer dizer, ou são bons ou ruins. Na verdade, o que acontece é que cabos, e equipamentos, tendem a ser ou uma coisa ou outra. Tendem. O bom equipamento só pode ser classificado "bom" quando sua tendência para ser bom é universal, isto é, o componente se adapta ao contexto dos sistemas, apresentando menor número de problemas de compatibilidade, incluindo-se aí o elo fundamental, a sala. E o contrário, quando o componente apresenta muitos problemas de adaptação, pode ser, grosso modo, classificado ruim ou problemático.
Entretanto, com o método do ensaio e erro e alguma experiência o audiófilo exigente pode transformar um equipamento com tendência para ruim, em bom. Como? Primeiro há que ter "bom" o elo essencial, a sala. Segundo, e depois, fazendo experiências sobre matching, que é a "ciência" do casamento de componentes eletrônicos. Um conjunto eletrônico para a reprodução do som musical constitui-se uma linha de transmissão em que os elos têm que guardar certa compatibilidade de impedâncias. Quando se juntam, de marcas diferentes, um pré-amplificador com um amplificador e a impedância de saída de um é incompatível com a impedância de entrada do outro, ainda que tal não venha a produzir mudanças na resposta de freqüência, com certeza no mínimo redundará no aumento do nível de distorção. E distorção não é uma coisa boa, em geral sai em forma de nasalidade, estridência, ressonância, essas coisas. Em breve escreverei artigo tocando nesse ponto. Aguarde. (O artigo é este, caro leitor, que você está a ler.)
Veja: você sabe que eu possuo o DVD A10, da Technics, que tem sido objeto de seus de você devaneios. E o que ocorre na prática, na minha sala? Uma coisa esquisita: para tocar cedês comuns prefiro de longe o A10; para tocar devedês de música erudita, prefiro o A310, da Panasonic. Mecanicamente, o A10 é superior ao A310, você sabe disso; em termos eletrônicos, também. Mas na hora da audição de música é que a porca torce o rabo: o A310, para música de grande porte - sinfônica, oratórios e óperas - no meu setup, repito, no meu setup comporta-se de forma mais agradável; na reprodução de música de câmera o A10 é meu preferido. E agora? Quem é que é bom e quem é que é ruim? (Nisso há um elemento a ponderar: em geral cedês comuns (e antigos) são gravados em 16bit/44.1kHz e beneficiam-se do dispositivo de upper sampling do A10, e do isolamento do circuito de vídeo que ele faz; em geral também, devedês são gravados em 20bit/56kHz ou mais, e pouco se beneficiam com uppler samplings. Talvez seja por aí. Não sei não.)
Veja mais: esses dois componentes (DVD players) estão inseridos na mesma linha de transmissão, isto é, quando conecto o A10 ao sistema faço somente tirar do A310 o cabo digital, The First, e botá-lo no A10, tudo mais permanecendo igual; e os dois passam pelo processador upper sampler Bel Canto. Por que então ocorre a diferença de desempenho entre eles, hem? Respondo como o personagem do Ariano Suassuna, Chicó: "Não sei, só sei que é assim."
Cabos: no meu contexto eletrônico o cabo Harmonic não logra desempenho satisfatório, e o The Second tende a estridência, produz um agudo de cristal quebrado. No momento utilizo-me dos seguintes cabos: The First, digital, do Technics A10 para o processador Bel Canto; Cardas Gold, analógico, entre o processador Bel Canto e o divisor de freqüência Mark Levinson (que está fazendo o papel de pré); e o Acoustics Zen do pré-divisor para o power. Do power para os painéis "ribbon" AKRON-Especial uso também o Acoustics Zen. E onde ficam os digitais Illuminatti e Acoustics Zen, e os analógicos Harmonic, The Second, Straight Wire, e outros menos votados? Ficam fazendo parte do "banco", na regra-três que é um dos achados de Holbein, de que o melhor cabo são muitos cabos. Ora, se são várias as impedâncias no sistema eletrônico deverão ser vários os cabos com suas impedâncias características e peculiares. Matching, meu amigo, matching. Há que casar, não adianta apenas ficar.
E matching, que é isso, perguntarão os leitores? Regra geral: em qualquer instalação eletrônica, a impedância do aparelho precedente – de onde vem o sinal – deve ter NO MÍNIMO igual impedância (na prática, impedância é representada pela resistência de carga) da do aparelho para onde manda o sinal. Por exemplo: do pré para o amplificador (neste, impedância maior do que naquele); sempre nesta ordem, do toca-discos ou cedês ou devedês para o pré-amplificador, do pré para o divisor de freqüência ativo, do processador para o pré etc. Mas por igual, a boa prática aceita impedâncias de até três vezes maior, desde que sempre do aparelho que recebe em relação ao que manda o sinal. E não há vice-versa! O diabo é que nesse casamento em massa entra de enxerida a impedância dos cabos... Porque cabos fazem parte também da linha de transmissão representada pelo sistema todo. Por isso que marcas de cabos são irrelevantes, impedâncias e modos de fabricação (formante), estes aspectos contam!
Há, entretanto, outro aspecto importante do matching: a intensidade do sinal (o nível do sinal, medido em milivolts). A mais acertada pedida é que a intensidade do sinal do componente que manda o sinal seja igual à sensibilidade do que recebe. Aqui também não há vive-versa, ou seja, o aparelho que recebe não pode ter sensibilidade MENOR do que a intensidade recebida; se isso acontecer, produzirá overload e conseqüente distorção. Da mesma forma, se a sensibilidade do aparelho que recebe o sinal é muitas vezes maior do que o nível de sinal mandado, o aparelho que recebe terá seu bom desempenho comprometido.
Um exemplo prático para ambos os casos de matching: se o toca-cedês tiver na saída a impedância de 10 KOhms, e a entrada CD do pré for para 100 KOhms, nada demais (o contrário não pode acontecer, nunca!); mas se a saída do toca-cedês for de 500 mv e a entrada do pré for para 100 mv, aí haverá sérios problemas. O contrário apenas tem alguma importância, isto é, se o toca-cedês tiver na sua saída apenas 100 mv e a entrada no pré for para 500 mv, aí, para se obter um volume razoável de som no final (nos alto-falantes) haverá necessidade de pôr o controle de volume do pré-amplificador no máximo, posição em que, via de regra, não é a ideal pois pode representar sobrecarga para o transistor que se situa imediatamente antes do potenciômetro (controle de volume).
Em resumo: o bom desempenho de um sistema eletrônico para a reprodução do som musical não se mede exclusivamente pelos dólares que ele custa; há variáveis a considerar. Vender a um incauto, como eu soube dia desses, um sistema de 12 mil dólares para ser instalado na sala dele, de acanhadas medidas 3 por 3,50 m, além de contra-indicado é desonestidade no duro. E saber que tentei ajudar a esse espertinho... Mea culpa. Mea maxima culpa. Rezem pela minha alma, queridos leitores, com esse “fora” estou a carecer, com certeza.
Por Holbein Menezes
11 dez. 2022
(publicado originalmente em 28 ago. 2001, sob o número 19)
Fala-se demais em palco sonoro, e fala-se como se fora coisa pronta e acabada, definida e definitiva, e estática, e concreta, e perceptível. Refere-se a ele às vezes como objeto e por vezes como objetivo. Porém sempre se afirmando que está ali à sua frente. Ou devia estar. Se você não o percebe, então, coitado de você! seu sistema eletrônico para a reprodução do som musical não está “equilibrado”... Quantas vezes já não li testes de equipamentos eletrônicos com esta conclusão!
A meu ver, tal sumário “diagnóstico” sacado contra sistemas eletrônicos para a reprodução do som musical é pura enganação; misturada com alguma dose de perversidade (talvez o objetivo não manifestado do “resenheiro” que assim pontifica seja vender a você outro produto...) Cuidado, portanto!
Porque, meus leitores, os freqüentadores costumeiros de concertos e recitais e shows ao vivo sabem que o evento original não possui palco sonoro. Ou, pelo menos, não possui só um tipo de palco sonoro. Vejam: nos shows ao relento, por ausência de reverberação no ambiente, a música vem de um ponto indefinido, inda que identificável. Mas os espectadores só “identificam” que o som vem da frente por estarem na parte frontal do palanque, com os olhos voltados para o tablado do show. Identificam porque estão vendo o espetáculo. Basta porém fecharem os olhos ou virarem-se para trás e o ponto do palco torna-se indeterminado. A simples ausência da imagem, da retina, leva a que ela vá para a zona cortical da imaginação ou da memória, e não a da audição. Em outras palavras: de música “ao vivo”, evento concreto, passa à categoria de percepção subjetiva. E, como em toda percepção subjetiva, o palco passa também a ser subjetivo. Deixa de existir de fato e passa a existir como lembrança.
Aliás, isso acontece com qualquer fonte de som. Se você estiver vendo a fonte do zumbido, você sabe de onde o zumbido provém, mas se ouve o zumbido de dentro de sua casa, só saberá de onde o zumbido procede se conhecer de antemão a fonte dele. É o que ocorre, por exemplo, com trovões. Se vemos o relâmpago num ponto qualquer do céu, com certeza identificaremos segundos mais tarde o lado de onde vem o decorrente zumbido do trovão. Mas se o escutamos de dentro de casa ou do escritório, essa identificação torna-se problemática: pode lhe parecer que vem de um lado ou de outro, tudo vai depender das reflexões envolvidas.
Nos concertos e recitais em teatros, quer dizer, em recintos fechados com reverberação controlada, a noção do palco vai depender do ponto onde estivermos postados. Na “torrinha” dos teatros de ópera (teatro de ópera não é uma casa de espetáculos só para ópera; assim se designa qualquer teatro de grande porte com capacidade para exibir também óperas), na “torrinha”, por exemplo, ouve-se o som da música como se vê o espetáculo, de ponta-cabeça, ou seja, de cima para baixo. Nessas condições, ouve-se um som sem perspectiva ou de estreita e enviesada perspectiva, como se estivéssemos assistindo ao espetáculo pelo lado de fora do recinto, através de uma janela... (Sei do que estou falando, tive experiências a mancheias, é muito esquisito.)
Mas nos teatros de ópera há também o som dos camarotes, que é aconchegante porque em geral amaciado por cortinas e guarnições de veludo, e pobre em perspectiva; das frisas, muito próximo do som dos camarotes, mas de melhor perspectiva porquanto ficam quase ao nível da plateia; do balcão nobre, que recebe todo o brilho dos médios uma vez que está situado de frente para o palco e na bissetriz do ângulo vertical formado pelo piso e teto do teatro; da plateia, que é suave, perspectivo, longínquo, mas algo soturno. Há também o som do maestro (que Deus o proteja!), impactante, nas fuças, por vezes mais de 100 decibéis explodidos dentro dos tímpanos do pobre coitado... E, por fim, há o som de cada músico, que ouve seu instrumento em desproporção com o som do instrumento do colega vizinho, por isso que escuta o dele bem perto dos ouvidos e no viés das preocupações com o andamento indicado pelo regente – um olho no cravo e outro na ferradura, ou, propriamente, uma espiada de esguelha no maestro e atenção nos símbolos da partitura em sua frente (parte da partitura).
Palco sonoro como coisa concreta, definida, estável, estanque, compartimentada, o som de cada músico e cada músico no seu lugar, a voz de cada instrumento e cada voz vinda de um dado ponto, bem, essa coisa arrumadinha não existe em música, nem ao vivo nem na reprodução em conserva. Na reprodução em conserva porque na maioria das vezes as gravações são “trabalhadas” pelos produtores. Música gravada hoje, vozes postadas noutro dia. E ainda: na hora da gravação da música os naipes são divididos e, não raro, compartimentados: contrabaixo (no caso de jazz) dentro de um cubículo fechado, metais isolados das cordas por painéis isolantes, solistas com microfones exclusivos. E mais o poder do senhor engenheiro de som encarregado da mesa, com seus nervosos dedos e uma porção de botões (resistores variáveis) à disposição... E, sabemos, por via de tais botões o som de um instrumento pode parecer mais longe ou mais perto, ao gosto do senhor engenheiro de som.
E não falo da localização dos microfones e seus múltiplos canais. Ao gosto dos técnicos de áudio e ao capricho do técnico da mesa; um som da esquerda pode ser trocado e ouvido na direita, no centro, na frente, atrás, onde os técnicos quiserem, até mesmo na esquerda onde se originou. Pode ser ouvido forte ou fraco, nítido e articulado ou sutil e indistinto.
Onde então palco sonoro definido e definitivo nas gravações que escutamos?
É verdade que há os discos audiófilos... (Desculpem meu perfeccionismo lingüístico, mas não entendo porque “audiófilo” para designar um tipo de gravação. Audiófilo é uma palavra composta de áudio, do latim audïre = ouvir, mais filo, do grego phÿlon = tribo, raça. O termo audiófilo designa ou devia designar a “tribo/raça dos ouvintes” ou uma pessoa dessa tribo. Mas um disco? Que me conste um disco não é ouvinte nem pertence a “tribo” nenhuma.)
É verdade também que a grande maioria dos discos não é audiófilo, estes são apenas uma meia dúzia, feitos por diletantes, produzidos por abnegados, pequenas empresas artesanais a comercializar pequeníssimas quantidades, que não chegam a contar no mar (milhões) dos discos fabricados por companhias multinacionais via máquinas automáticas, e engenheiros de som transformados em manipuladores de espectros de bandas.
Para a exceção do chamado disco audiófilo até que pode fazer sentido falar em palco sonoro porque aqui há um arranjo físico na hora da gravação, o leiaute é predeterminado para lograr um dado efeito e tais efeitos sonoros podem e devem ser passados de igual maneira, ou próximo dela, na reprodução. Mas é a exceção, não é a regra geral, e se não é a regra geral não pode servir de parâmetro para medir coisa alguma. Entenderam agora minha bronca contra palco sonoro e o comparsa dele, o tal “sistema equilibrado ou não equilibrado”?
Sem falar na influência - valha-me meu santo Padim Pade Ciço! -, sem falar na influência da crítica instalação do sistema de som na sala de reprodução. A tirar pelo esquema divulgado pelo George Cardas, que se baseou em normas técnicas estabelecidas (?) pela AES (Sociedade dos Engenheiros de Áudio), dos Estados Unidos, para haver boa imagem (o tal palco sonoro) a sala de audição tem que ter as medidas do segmento áureo, ou andar perto disso. E tem que está disposta (arranjada) nos termos da equação Phi, formada pelos fatores .6180339887... para 1 ou 1 para 1.6180339887... multiplicados pela altura. Entenderam? Nem eu.
Então é melhor abordarmos outro aspecto da instalação do sistema de som: a meu ver e a rigor, ou sob ponto de vista técnico sistema de som não equilibrado é aquele cujas impedâncias não se casam. Isto, sim! E o que é casar uma impedância?
Vejam a resposta que dei a esse propósito ao meu amigo Márcio Santos, de Pelotas:
Você, Márcio, que tem o bom gosto de me ler sabe da minha opinião sobre cabos e marcas de equipamentos. Jamais são eles uma coisa em si, ou seja, agem de forma absoluta, quer dizer, ou são bons ou ruins. Na verdade, o que acontece é que cabos, e equipamentos, tendem a ser ou uma coisa ou outra. Tendem. O bom equipamento só pode ser classificado "bom" quando sua tendência para ser bom é universal, isto é, o componente se adapta ao contexto dos sistemas, apresentando menor número de problemas de compatibilidade, incluindo-se aí o elo fundamental, a sala. E o contrário, quando o componente apresenta muitos problemas de adaptação, pode ser, grosso modo, classificado ruim ou problemático.
Entretanto, com o método do ensaio e erro e alguma experiência o audiófilo exigente pode transformar um equipamento com tendência para ruim, em bom. Como? Primeiro há que ter "bom" o elo essencial, a sala. Segundo, e depois, fazendo experiências sobre matching, que é a "ciência" do casamento de componentes eletrônicos. Um conjunto eletrônico para a reprodução do som musical constitui-se uma linha de transmissão em que os elos têm que guardar certa compatibilidade de impedâncias. Quando se juntam, de marcas diferentes, um pré-amplificador com um amplificador e a impedância de saída de um é incompatível com a impedância de entrada do outro, ainda que tal não venha a produzir mudanças na resposta de freqüência, com certeza no mínimo redundará no aumento do nível de distorção. E distorção não é uma coisa boa, em geral sai em forma de nasalidade, estridência, ressonância, essas coisas. Em breve escreverei artigo tocando nesse ponto. Aguarde. (O artigo é este, caro leitor, que você está a ler.)
Veja: você sabe que eu possuo o DVD A10, da Technics, que tem sido objeto de seus de você devaneios. E o que ocorre na prática, na minha sala? Uma coisa esquisita: para tocar cedês comuns prefiro de longe o A10; para tocar devedês de música erudita, prefiro o A310, da Panasonic. Mecanicamente, o A10 é superior ao A310, você sabe disso; em termos eletrônicos, também. Mas na hora da audição de música é que a porca torce o rabo: o A310, para música de grande porte - sinfônica, oratórios e óperas - no meu setup, repito, no meu setup comporta-se de forma mais agradável; na reprodução de música de câmera o A10 é meu preferido. E agora? Quem é que é bom e quem é que é ruim? (Nisso há um elemento a ponderar: em geral cedês comuns (e antigos) são gravados em 16bit/44.1kHz e beneficiam-se do dispositivo de upper sampling do A10, e do isolamento do circuito de vídeo que ele faz; em geral também, devedês são gravados em 20bit/56kHz ou mais, e pouco se beneficiam com uppler samplings. Talvez seja por aí. Não sei não.)
Veja mais: esses dois componentes (DVD players) estão inseridos na mesma linha de transmissão, isto é, quando conecto o A10 ao sistema faço somente tirar do A310 o cabo digital, The First, e botá-lo no A10, tudo mais permanecendo igual; e os dois passam pelo processador upper sampler Bel Canto. Por que então ocorre a diferença de desempenho entre eles, hem? Respondo como o personagem do Ariano Suassuna, Chicó: "Não sei, só sei que é assim."
Cabos: no meu contexto eletrônico o cabo Harmonic não logra desempenho satisfatório, e o The Second tende a estridência, produz um agudo de cristal quebrado. No momento utilizo-me dos seguintes cabos: The First, digital, do Technics A10 para o processador Bel Canto; Cardas Gold, analógico, entre o processador Bel Canto e o divisor de freqüência Mark Levinson (que está fazendo o papel de pré); e o Acoustics Zen do pré-divisor para o power. Do power para os painéis "ribbon" AKRON-Especial uso também o Acoustics Zen. E onde ficam os digitais Illuminatti e Acoustics Zen, e os analógicos Harmonic, The Second, Straight Wire, e outros menos votados? Ficam fazendo parte do "banco", na regra-três que é um dos achados de Holbein, de que o melhor cabo são muitos cabos. Ora, se são várias as impedâncias no sistema eletrônico deverão ser vários os cabos com suas impedâncias características e peculiares. Matching, meu amigo, matching. Há que casar, não adianta apenas ficar.
E matching, que é isso, perguntarão os leitores? Regra geral: em qualquer instalação eletrônica, a impedância do aparelho precedente – de onde vem o sinal – deve ter NO MÍNIMO igual impedância (na prática, impedância é representada pela resistência de carga) da do aparelho para onde manda o sinal. Por exemplo: do pré para o amplificador (neste, impedância maior do que naquele); sempre nesta ordem, do toca-discos ou cedês ou devedês para o pré-amplificador, do pré para o divisor de freqüência ativo, do processador para o pré etc. Mas por igual, a boa prática aceita impedâncias de até três vezes maior, desde que sempre do aparelho que recebe em relação ao que manda o sinal. E não há vice-versa! O diabo é que nesse casamento em massa entra de enxerida a impedância dos cabos... Porque cabos fazem parte também da linha de transmissão representada pelo sistema todo. Por isso que marcas de cabos são irrelevantes, impedâncias e modos de fabricação (formante), estes aspectos contam!
Há, entretanto, outro aspecto importante do matching: a intensidade do sinal (o nível do sinal, medido em milivolts). A mais acertada pedida é que a intensidade do sinal do componente que manda o sinal seja igual à sensibilidade do que recebe. Aqui também não há vive-versa, ou seja, o aparelho que recebe não pode ter sensibilidade MENOR do que a intensidade recebida; se isso acontecer, produzirá overload e conseqüente distorção. Da mesma forma, se a sensibilidade do aparelho que recebe o sinal é muitas vezes maior do que o nível de sinal mandado, o aparelho que recebe terá seu bom desempenho comprometido.
Um exemplo prático para ambos os casos de matching: se o toca-cedês tiver na saída a impedância de 10 KOhms, e a entrada CD do pré for para 100 KOhms, nada demais (o contrário não pode acontecer, nunca!); mas se a saída do toca-cedês for de 500 mv e a entrada do pré for para 100 mv, aí haverá sérios problemas. O contrário apenas tem alguma importância, isto é, se o toca-cedês tiver na sua saída apenas 100 mv e a entrada no pré for para 500 mv, aí, para se obter um volume razoável de som no final (nos alto-falantes) haverá necessidade de pôr o controle de volume do pré-amplificador no máximo, posição em que, via de regra, não é a ideal pois pode representar sobrecarga para o transistor que se situa imediatamente antes do potenciômetro (controle de volume).
Em resumo: o bom desempenho de um sistema eletrônico para a reprodução do som musical não se mede exclusivamente pelos dólares que ele custa; há variáveis a considerar. Vender a um incauto, como eu soube dia desses, um sistema de 12 mil dólares para ser instalado na sala dele, de acanhadas medidas 3 por 3,50 m, além de contra-indicado é desonestidade no duro. E saber que tentei ajudar a esse espertinho... Mea culpa. Mea maxima culpa. Rezem pela minha alma, queridos leitores, com esse “fora” estou a carecer, com certeza.