Artigo No. 4
CONCERTO A TRÊS CABEÇAS, DUAS CIENTÍFICAS E UMA LEIGA
Por Dr. Victor Manol de Andrade, Físico Heber de Sousa e Holbein Menezes
02 dez. 2022
(publicado originalmente em 06 jan. 2002, sob o número 24)
Heber: Amigo Holbein. A título de curiosidade resolvi pesquisar sobre intensidade sonora, assunto que sei que você gosta, e sobre o qual temos conversado muitas vezes via telefone. Em releituras de meus compêndios de Física e de notas que guardei de aulas que dei, encontrei o que se segue e que passo a você e aos seus leitores:
Intensidade do som. Quando um rádio está ligado em seu volume máximo, costumamos dizer que o som emitido por ele é um som de grande intensidade ou, como se diz popularmente, “um som alto”. De modo inverso, o tique-taque de um relógio é um som de pequena intensidade ou um “som baixo” na linguagem popular.
Entretanto, a Física ensina que intensidade é a propriedade do som que está relacionada com a energia de vibração de uma fonte emitente de onda sonora. Ao se propagar, a onda transporta energia, distribuindo-a em todas as direções. Quanto maior for a quantidade de energia (por unidade de tempo) que a onda sonora venha a transportar até nossos ouvidos, maior será a intensidade do som percebida pelo ouvido humano.
Sabe-se que a quantidade de energia transportada por uma onda sonora é tanto maior quanto maior for a amplitude da onda. Pelo que podemos concluir: a intensidade de um som é maior quanto maior for a amplitude da onda sonora.
Holbein: Amplitude em linguagem técnica de áudio, é a altura de uma onda sonora acima ou abaixo de uma linha imaginária cuja referência é zero. É o máximo valor do movimento do sinal ou, em termos práticos, em alto-falantes e pickups é o máximo da excursão para frente e para trás (alto-falantes) e para cima e para baixo (pickups) a partir de um ponto considerado neutro.
Heber: Nível de intensidade sonora. Vimos que a intensidade do som está relacionada com a energia transportada pela onda sonora. Quantitativamente, define-se a intensidade I de uma onda, da seguinte maneira: seja êE a energia que essa onda transposta através de uma área A, e êt um intervalo de tempo. Por definição, temos: I = êE/A.êt. No sistema internacional, a unidade para a medida de I será = 1W/m2.
Existe um valor mínimo da intensidade sonora capaz de sensibilizar o aparelho auditivo. Esse valor mínimo depende da freqüência do som, variando também de pessoa para pessoa. Para uma freqüência em redor de 1.000 Hertz, e para um ouvido normal, esse limite mínimo é de cerca de 10¹ºW/m². Para você poder compreender, Holbein, como esse valor é muito pequeno, informo-lhe de que tal intensidade corresponde a uma amplitude de vibração de 10-9, sendo, portanto, menor que o raio de um átomo. Assim, vemos que o nosso ouvido é um detector extraordinariamente sensível, capaz de perceber um deslocamento dessa ordem de grandeza.
Por outro lado, ondas sonoras cujas intensidades possuem valores próximos de 1W/m², podem chegar a causar dores e danos ao ouvido. Essa intensidade corresponde a uma amplitude de vibração da ordem de 0,01mm (um décimo de milímetro!) O valor de 10-12 W/m² é usualmente representado por Io e tomado como referência para comparações das intensidades dos diversos sons, como veremos a seguir (Io = 10-12 W/m²).
Pesquisadores que estudaram fenômenos relacionados com a intensidade do som perceberam que a “sensação” produzida em nosso ouvido pelo som de uma certa intensidade I, não varia na proporção dela própria. Por exemplo, um som de intensidade I2 = 2I1 não produz em nosso ouvido uma “sensação” duas vezes mais intensa do que aquela produzida por I1. Na realidade, os cientistas verificaram que a sensação varia com o logaritmo da intensidade sonora.
Por isso é que, para medir essa característica do nosso ouvido, foi definida uma grandeza ß, denominada nível de intensidade, que se expressa com a seguinte fórmula: ß = log I/Io, onde I é a intensidade da onda sonora e Io = 10¯¹²W/m². A unidade para medida dessa grandeza foi denominada 1bel = 1B (homenagem a Graham Bell). Observe você, então, que,
se I = Io, temos ß = log Io/Io = log 1, donde ß = 0;
se I = 10Io, temos ß = log 10Io/Io = log 10, donde ß = 1B;
se I = 100Io, temos ß = log 100Io/Io = log 100, donde ß = 2B, e assim sucessivamente.
Logo, o som de 1B possui intensidade 10 vezes maior do que o som de intensidade Io; mas o de 2B possui intensidade 100 vezes maior do que o Io etc. A unidade mais usada para medida de ß é 1dB = 0,1B. Assim, os valores acima seriam ß = 1B = 10dB, ß = 2B = 20 dB, e ß = 3B = 30 dB.
Holbein: Desculpem os leitores essa matemática toda, ciência que todos admiram mas fogem dela como o diabo da cruz. A partir daqui, entretanto, o assunto vai ficar mais fácil de ser acompanhado. Paciência, pois, gente, foi necessário para armar a lógica da coisa.
Heber: Uma pessoa de ouvido normal é capaz de perceber sons de freqüências compreendidas entre 20Hz e 20.000Hz. Deve-se observar, entretanto, que para cada uma dessas freqüências há um nível mínimo de intensidade, abaixo do qual o som não é percebido. No gráfico da figura 3 (lamentavelmente, não logramos reproduzir os gráficos aqui referenciados, desculpem-nos), a curva denominada “limiar da audição” nos mostra de forma exata tais valores mínimos. Por exemplo, se um som de 100Hz possuir um nível de intensidade de 20dB, ele não será audível. O gráfico mostra que o som com essa freqüência só se tornará audível com um nível de intensidade superior a, aproximadamente, 30dB.
O gráfico 3 (idem) refere-se ao ouvido normal. Entretanto, as curvas ali apresentadas podem variar bastante de uma pessoa para outra, principalmente em função da idade. Podemos observar na ilustração da figura 2 (idem), que sons de intensidade confortável para o nosso ouvido vão até cerca de 60dB; a partir desse nível, começam a ocorrer riscos de danos ao sistema auditivo. Exposição temporária à intensidades sonoras grandes, entre 70dB a 120dB, resulta numa diminuição, também temporária, da sensibilidade auditiva; já a exposição prolongada pode resultar em perdas permanentes dessa capacidade. A perda de audibilidade por exposição a níveis intensos começa a correr na faixa de 1000Hz, estendendo-se até os 7.000Hz, uma vez que são freqüências que possuem níveis altos de excitação para o nosso sistema auditivo.
Holbein: Viram como a coisa começa a fazer sentido para nós leigos? A conclusão inevitável é que, o audiófilo que ouve música alto demais corre sério risco. Cuidado e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, ensinava minha sábia avó, macróbia que viveu mais de 100 anos!
Heber: Na figura 3 (idem), notamos que para o nosso ouvido perceber toda a faixa de freqüência da música, são necessários 60dB, situação sugerida na figura 2 (idem) como uma conversa de algumas pessoas a 1 metro de distância do ouvinte.
Com isso, quero dizer a você, Holbein, que quando estamos ouvindo música em nossas salas, a intensidade sonora deve ser de tal ordem que uma conversa com uma pessoa ao lado possa acontecer normalmente, em condições de completa audibilidade. Devemos não esquecer que o nível de intensidade sonora amplificado, produzido por alguns instrumentos durante um concerto eletrônico, pode ultrapassar os 60dB; assim, não parece uma boa idéia tomá-los como referência.
Um estudo realizado pela Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, mostra que os moradores dos bairros industriais sofrem não apenas de distúrbios auditivos mas também de sérios problemas cardíacos e digestivos. Ao que tudo indica, por razão do estresse crônico imposto pelo barulho (85dB a 90dB). Alterações hormonais e de pressão sanguínea podem ter causas níveis sonoros intensos, que tiram a capacidade de concentração - algo que todos sabemos por experiência própria.Talvez nesse quadro é que se encaixe o audiófilo que só consegue ouvir meia hora de música, e uma faixa de cada disco. Cansa-se logo.
O cantor italiano Enrico Caruso possuía a capacidade impressionante de atingir 120dB de intensidade sonora entoando um fortíssimo. No começo de sua carreira, quando se apresentava em lugares pequenos, as primeiras fileiras das poltronas ficavam vazias.
Holbein: Eurico Caruso (1873-1921), tenor italiano, fez sua primeira aparição pública como cantor, em Nápoles, em 1894. Intrigante é a popularidade internacional que o tenor conquistou, justo no tempo das gravações pré-elétricas, tão rudimentares; a voz humana reproduzida ficava muito a desejar.
Heber: Por isso, não é prudente sentarmos próximos dos músicos, nas primeiras filas ou situar-se no lugar do maestro. Na aparência, parece ser aí os melhores lugares, mas dá para assustar se considerarmos que os próprios músicos reclamam de problemas auditivos.
Holbein: Já divulguei alhures confissão do spalla da ex-Orquestra de Cordas de Florianópolis, Professor Glauco Vasconcelos, de que ao cabo de 30 minutos de um concerto, seu ouvido começa a doer com o som do seu próprio violino...
Heber: O que posso dizer a você, meu caro amigo, depois da pesquisa que realizei, é que, na subjetividade da nossa cultura musical, não há propriamente uma maneira certa ou errada sobre que intensidade sonora devemos submeter nossos ouvidos durante uma audição eletrônica. Trata-se de uma questão de bom senso. Aliás, situação que se parece com a do fumante: todos eles sabem que fumar faz mal a saúde, mas continuam fumando. Receba meu abraço fraterno.
Victor: Eu não ousaria emitir opinião sobre um tema em que sou leigo, como as características físicas do som. Mas gostaria de fazer um comentário a partir da exposição de um mestre sobre o assunto, o Professor Heber. Sem dúvida, Caruso é uma figura emblemática do canto lírico, mas é cada vez mais lícito supor que o impacto que causava era antes pela potência de seus decibéis, do que propriamente por sua voz. Era uma espécie de ‘atleta’ da voz mais que um cantor. É possível que a mitologia criada em torno de seu nome se deva mais a esse alcance do que à beleza de sua voz.
É inequívoco que um som com freqüência e intensidade acima de certo limiar pode causar danos ao sistema nervoso. Acredita-se hoje que todos os mamíferos reagem com ansiedade a sons que ultrapassem os limites da espécie. Portanto, é uma reação instintiva, herdada e não adquirida. Mas mesmo que o som não atinja esse extremo, ele pode desencadear reações desprazerosas a que o ouvinte não esteja atento, sentindo mal-estar inespecífico que não sabe a que atribuir. Perguntaria se não se passa algo semelhante ao ‘fenômeno Caruso’, com boa parte dos audiófilos, que valorizam mais a potência de seus amplificadores que a música em si. Música é som, mas som não é necessariamente música, como é bem sabido.
Muito mais se poderia dizer a respeito, mas eu teria que entrar nos aspectos subjetivos da percepção sonora e do prazer estético em se ouvir música, fato que me levaria a me estender em demasia, além de me parecer fugir um pouco ao assunto em debate. Mas não poderia deixar de acrescentar que existe no sistema nervoso um fenômeno chamado de ‘facilitação’, que faz com que circuitos neurais pelos quais já passaram determinadas excitações provenientes dos órgãos sensoriais se tornem muito mais sensíveis diante da passagem de excitações semelhantes: estas não precisarão ter a mesma intensidade anterior para produzir os mesmos fenômenos subjetivos. Por isso, podemos ‘ouvir´ uma música em nossa imaginação, embora esta não atinja a mesma intensidade da percepção sensorial provinda do exterior.
Mas a música armazenada internamente pode interferir, e muito, sobre aquela que se está ouvindo no momento. Qualquer pessoa sabe a diferença entre ouvir uma música pela primeira vez, principalmente de um compositor desconhecido (quando este é conhecido, seu estilo de composição já é familiar), e ouvi-la pela segunda, terceira ou quarta vez. Quanto mais ela se torna familiar, mais o aparelho psíquico retira prazer dela. No entanto, pode bem ocorrer que, após muitas audições seguidas, haja uma saturação geradora de desprazer em vez de prazer. Nesse caso, é de supor que a ‘facilitação’ tenha chegado a um nível tal, que se passa no nível subjetivo uma ‘ intensidade’ nociva semelhante à do som com freqüência e intensidade elevadas. Os carrascos nazistas conheciam muito bem esse fenômeno, tanto que torturavam um prisioneiro repetindo-lhe ao ouvido uma melodia de forma contínua. Nessa circunstância, não há possibilidade de retirar prazer de qualquer música.
Holbein: Depois das competentes falas do psicanalista, Dr. Victor Manoel Andrade e do Físico, Prof. Heber de Souza, ambos audiófilos de carteirinhas, imagine-se a situação dos auto-proclamados “ouvidos de ouro”, que se julgam capazes de ouvir gravis profundis em redor dos 20 Hz, ou agudíssimos da amplitude dos 20.000 Hz – isso nas suas precárias condições acústicas – na calada da noite quando os vizinhos não permitiriam intensidades sonoras maiores que 60 dB, que é a intensidade base para que uma pessoa possa perceber a gama total das freqüência audíveis, como ensinou o Professor Heber.
Quer dizer, o que existe por aí são palpites, meras opiniões sem base na ciência, nem na realidade; subjetividades inventadas para forrar de gaita gurus que pousam de magister dixit para levarem incautos às compras, que é o que se encontra por trás dos tais reviews.
Heber: À guisa de ponto final: recentemente o especialista em percepção musical, Neil Todd, da Universidade de Manchester, fez algumas descobertas sobre uma peça do sistema auditivo que herdamos dos peixes, chamada sacullus. Segundo Neil, ela serve para captar intensidades sonoras acima de 90 decibéis. Os pesquisadores já sabiam da sua existência mas não lhe davam a devida atenção. O sacullus faz conexão com partes do cérebro associadas à satisfação da fome e do impulso sexual; portanto, no cérebro essas agradáveis sensações misturam-se com o prazer de ouvir música em nível alto. Daí se explica a satisfação que experimentamos quando ouvimos música a elevados níveis de intensidade. Quando se estuda a curva da audibilidade aprende-se que existe uma intensidade sonora mínima para a percepção da música, que pode variar com a idade e por problemas auditivos, mas seu valor médio é 70 decibéis. Porque nessa intensidade somos capazes de perceber todas as freqüências musicais. Mas as intensidades acima de 90 decibéis são perigosas para o tímpano; ainda assim, algumas pessoas teimam em abusar dessa intensidade. Tal prática sempre me intrigou, embora eu não encontrasse uma resposta convincente para o problema. Agora, graças a Neil Todd, a questão ficou clara para mim: são gozos da qualidade do prazer sexual...
Por Dr. Victor Manol de Andrade, Físico Heber de Sousa e Holbein Menezes
02 dez. 2022
(publicado originalmente em 06 jan. 2002, sob o número 24)
Heber: Amigo Holbein. A título de curiosidade resolvi pesquisar sobre intensidade sonora, assunto que sei que você gosta, e sobre o qual temos conversado muitas vezes via telefone. Em releituras de meus compêndios de Física e de notas que guardei de aulas que dei, encontrei o que se segue e que passo a você e aos seus leitores:
Intensidade do som. Quando um rádio está ligado em seu volume máximo, costumamos dizer que o som emitido por ele é um som de grande intensidade ou, como se diz popularmente, “um som alto”. De modo inverso, o tique-taque de um relógio é um som de pequena intensidade ou um “som baixo” na linguagem popular.
Entretanto, a Física ensina que intensidade é a propriedade do som que está relacionada com a energia de vibração de uma fonte emitente de onda sonora. Ao se propagar, a onda transporta energia, distribuindo-a em todas as direções. Quanto maior for a quantidade de energia (por unidade de tempo) que a onda sonora venha a transportar até nossos ouvidos, maior será a intensidade do som percebida pelo ouvido humano.
Sabe-se que a quantidade de energia transportada por uma onda sonora é tanto maior quanto maior for a amplitude da onda. Pelo que podemos concluir: a intensidade de um som é maior quanto maior for a amplitude da onda sonora.
Holbein: Amplitude em linguagem técnica de áudio, é a altura de uma onda sonora acima ou abaixo de uma linha imaginária cuja referência é zero. É o máximo valor do movimento do sinal ou, em termos práticos, em alto-falantes e pickups é o máximo da excursão para frente e para trás (alto-falantes) e para cima e para baixo (pickups) a partir de um ponto considerado neutro.
Heber: Nível de intensidade sonora. Vimos que a intensidade do som está relacionada com a energia transportada pela onda sonora. Quantitativamente, define-se a intensidade I de uma onda, da seguinte maneira: seja êE a energia que essa onda transposta através de uma área A, e êt um intervalo de tempo. Por definição, temos: I = êE/A.êt. No sistema internacional, a unidade para a medida de I será = 1W/m2.
Existe um valor mínimo da intensidade sonora capaz de sensibilizar o aparelho auditivo. Esse valor mínimo depende da freqüência do som, variando também de pessoa para pessoa. Para uma freqüência em redor de 1.000 Hertz, e para um ouvido normal, esse limite mínimo é de cerca de 10¹ºW/m². Para você poder compreender, Holbein, como esse valor é muito pequeno, informo-lhe de que tal intensidade corresponde a uma amplitude de vibração de 10-9, sendo, portanto, menor que o raio de um átomo. Assim, vemos que o nosso ouvido é um detector extraordinariamente sensível, capaz de perceber um deslocamento dessa ordem de grandeza.
Por outro lado, ondas sonoras cujas intensidades possuem valores próximos de 1W/m², podem chegar a causar dores e danos ao ouvido. Essa intensidade corresponde a uma amplitude de vibração da ordem de 0,01mm (um décimo de milímetro!) O valor de 10-12 W/m² é usualmente representado por Io e tomado como referência para comparações das intensidades dos diversos sons, como veremos a seguir (Io = 10-12 W/m²).
Pesquisadores que estudaram fenômenos relacionados com a intensidade do som perceberam que a “sensação” produzida em nosso ouvido pelo som de uma certa intensidade I, não varia na proporção dela própria. Por exemplo, um som de intensidade I2 = 2I1 não produz em nosso ouvido uma “sensação” duas vezes mais intensa do que aquela produzida por I1. Na realidade, os cientistas verificaram que a sensação varia com o logaritmo da intensidade sonora.
Por isso é que, para medir essa característica do nosso ouvido, foi definida uma grandeza ß, denominada nível de intensidade, que se expressa com a seguinte fórmula: ß = log I/Io, onde I é a intensidade da onda sonora e Io = 10¯¹²W/m². A unidade para medida dessa grandeza foi denominada 1bel = 1B (homenagem a Graham Bell). Observe você, então, que,
se I = Io, temos ß = log Io/Io = log 1, donde ß = 0;
se I = 10Io, temos ß = log 10Io/Io = log 10, donde ß = 1B;
se I = 100Io, temos ß = log 100Io/Io = log 100, donde ß = 2B, e assim sucessivamente.
Logo, o som de 1B possui intensidade 10 vezes maior do que o som de intensidade Io; mas o de 2B possui intensidade 100 vezes maior do que o Io etc. A unidade mais usada para medida de ß é 1dB = 0,1B. Assim, os valores acima seriam ß = 1B = 10dB, ß = 2B = 20 dB, e ß = 3B = 30 dB.
Holbein: Desculpem os leitores essa matemática toda, ciência que todos admiram mas fogem dela como o diabo da cruz. A partir daqui, entretanto, o assunto vai ficar mais fácil de ser acompanhado. Paciência, pois, gente, foi necessário para armar a lógica da coisa.
Heber: Uma pessoa de ouvido normal é capaz de perceber sons de freqüências compreendidas entre 20Hz e 20.000Hz. Deve-se observar, entretanto, que para cada uma dessas freqüências há um nível mínimo de intensidade, abaixo do qual o som não é percebido. No gráfico da figura 3 (lamentavelmente, não logramos reproduzir os gráficos aqui referenciados, desculpem-nos), a curva denominada “limiar da audição” nos mostra de forma exata tais valores mínimos. Por exemplo, se um som de 100Hz possuir um nível de intensidade de 20dB, ele não será audível. O gráfico mostra que o som com essa freqüência só se tornará audível com um nível de intensidade superior a, aproximadamente, 30dB.
O gráfico 3 (idem) refere-se ao ouvido normal. Entretanto, as curvas ali apresentadas podem variar bastante de uma pessoa para outra, principalmente em função da idade. Podemos observar na ilustração da figura 2 (idem), que sons de intensidade confortável para o nosso ouvido vão até cerca de 60dB; a partir desse nível, começam a ocorrer riscos de danos ao sistema auditivo. Exposição temporária à intensidades sonoras grandes, entre 70dB a 120dB, resulta numa diminuição, também temporária, da sensibilidade auditiva; já a exposição prolongada pode resultar em perdas permanentes dessa capacidade. A perda de audibilidade por exposição a níveis intensos começa a correr na faixa de 1000Hz, estendendo-se até os 7.000Hz, uma vez que são freqüências que possuem níveis altos de excitação para o nosso sistema auditivo.
Holbein: Viram como a coisa começa a fazer sentido para nós leigos? A conclusão inevitável é que, o audiófilo que ouve música alto demais corre sério risco. Cuidado e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, ensinava minha sábia avó, macróbia que viveu mais de 100 anos!
Heber: Na figura 3 (idem), notamos que para o nosso ouvido perceber toda a faixa de freqüência da música, são necessários 60dB, situação sugerida na figura 2 (idem) como uma conversa de algumas pessoas a 1 metro de distância do ouvinte.
Com isso, quero dizer a você, Holbein, que quando estamos ouvindo música em nossas salas, a intensidade sonora deve ser de tal ordem que uma conversa com uma pessoa ao lado possa acontecer normalmente, em condições de completa audibilidade. Devemos não esquecer que o nível de intensidade sonora amplificado, produzido por alguns instrumentos durante um concerto eletrônico, pode ultrapassar os 60dB; assim, não parece uma boa idéia tomá-los como referência.
Um estudo realizado pela Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, mostra que os moradores dos bairros industriais sofrem não apenas de distúrbios auditivos mas também de sérios problemas cardíacos e digestivos. Ao que tudo indica, por razão do estresse crônico imposto pelo barulho (85dB a 90dB). Alterações hormonais e de pressão sanguínea podem ter causas níveis sonoros intensos, que tiram a capacidade de concentração - algo que todos sabemos por experiência própria.Talvez nesse quadro é que se encaixe o audiófilo que só consegue ouvir meia hora de música, e uma faixa de cada disco. Cansa-se logo.
O cantor italiano Enrico Caruso possuía a capacidade impressionante de atingir 120dB de intensidade sonora entoando um fortíssimo. No começo de sua carreira, quando se apresentava em lugares pequenos, as primeiras fileiras das poltronas ficavam vazias.
Holbein: Eurico Caruso (1873-1921), tenor italiano, fez sua primeira aparição pública como cantor, em Nápoles, em 1894. Intrigante é a popularidade internacional que o tenor conquistou, justo no tempo das gravações pré-elétricas, tão rudimentares; a voz humana reproduzida ficava muito a desejar.
Heber: Por isso, não é prudente sentarmos próximos dos músicos, nas primeiras filas ou situar-se no lugar do maestro. Na aparência, parece ser aí os melhores lugares, mas dá para assustar se considerarmos que os próprios músicos reclamam de problemas auditivos.
Holbein: Já divulguei alhures confissão do spalla da ex-Orquestra de Cordas de Florianópolis, Professor Glauco Vasconcelos, de que ao cabo de 30 minutos de um concerto, seu ouvido começa a doer com o som do seu próprio violino...
Heber: O que posso dizer a você, meu caro amigo, depois da pesquisa que realizei, é que, na subjetividade da nossa cultura musical, não há propriamente uma maneira certa ou errada sobre que intensidade sonora devemos submeter nossos ouvidos durante uma audição eletrônica. Trata-se de uma questão de bom senso. Aliás, situação que se parece com a do fumante: todos eles sabem que fumar faz mal a saúde, mas continuam fumando. Receba meu abraço fraterno.
Victor: Eu não ousaria emitir opinião sobre um tema em que sou leigo, como as características físicas do som. Mas gostaria de fazer um comentário a partir da exposição de um mestre sobre o assunto, o Professor Heber. Sem dúvida, Caruso é uma figura emblemática do canto lírico, mas é cada vez mais lícito supor que o impacto que causava era antes pela potência de seus decibéis, do que propriamente por sua voz. Era uma espécie de ‘atleta’ da voz mais que um cantor. É possível que a mitologia criada em torno de seu nome se deva mais a esse alcance do que à beleza de sua voz.
É inequívoco que um som com freqüência e intensidade acima de certo limiar pode causar danos ao sistema nervoso. Acredita-se hoje que todos os mamíferos reagem com ansiedade a sons que ultrapassem os limites da espécie. Portanto, é uma reação instintiva, herdada e não adquirida. Mas mesmo que o som não atinja esse extremo, ele pode desencadear reações desprazerosas a que o ouvinte não esteja atento, sentindo mal-estar inespecífico que não sabe a que atribuir. Perguntaria se não se passa algo semelhante ao ‘fenômeno Caruso’, com boa parte dos audiófilos, que valorizam mais a potência de seus amplificadores que a música em si. Música é som, mas som não é necessariamente música, como é bem sabido.
Muito mais se poderia dizer a respeito, mas eu teria que entrar nos aspectos subjetivos da percepção sonora e do prazer estético em se ouvir música, fato que me levaria a me estender em demasia, além de me parecer fugir um pouco ao assunto em debate. Mas não poderia deixar de acrescentar que existe no sistema nervoso um fenômeno chamado de ‘facilitação’, que faz com que circuitos neurais pelos quais já passaram determinadas excitações provenientes dos órgãos sensoriais se tornem muito mais sensíveis diante da passagem de excitações semelhantes: estas não precisarão ter a mesma intensidade anterior para produzir os mesmos fenômenos subjetivos. Por isso, podemos ‘ouvir´ uma música em nossa imaginação, embora esta não atinja a mesma intensidade da percepção sensorial provinda do exterior.
Mas a música armazenada internamente pode interferir, e muito, sobre aquela que se está ouvindo no momento. Qualquer pessoa sabe a diferença entre ouvir uma música pela primeira vez, principalmente de um compositor desconhecido (quando este é conhecido, seu estilo de composição já é familiar), e ouvi-la pela segunda, terceira ou quarta vez. Quanto mais ela se torna familiar, mais o aparelho psíquico retira prazer dela. No entanto, pode bem ocorrer que, após muitas audições seguidas, haja uma saturação geradora de desprazer em vez de prazer. Nesse caso, é de supor que a ‘facilitação’ tenha chegado a um nível tal, que se passa no nível subjetivo uma ‘ intensidade’ nociva semelhante à do som com freqüência e intensidade elevadas. Os carrascos nazistas conheciam muito bem esse fenômeno, tanto que torturavam um prisioneiro repetindo-lhe ao ouvido uma melodia de forma contínua. Nessa circunstância, não há possibilidade de retirar prazer de qualquer música.
Holbein: Depois das competentes falas do psicanalista, Dr. Victor Manoel Andrade e do Físico, Prof. Heber de Souza, ambos audiófilos de carteirinhas, imagine-se a situação dos auto-proclamados “ouvidos de ouro”, que se julgam capazes de ouvir gravis profundis em redor dos 20 Hz, ou agudíssimos da amplitude dos 20.000 Hz – isso nas suas precárias condições acústicas – na calada da noite quando os vizinhos não permitiriam intensidades sonoras maiores que 60 dB, que é a intensidade base para que uma pessoa possa perceber a gama total das freqüência audíveis, como ensinou o Professor Heber.
Quer dizer, o que existe por aí são palpites, meras opiniões sem base na ciência, nem na realidade; subjetividades inventadas para forrar de gaita gurus que pousam de magister dixit para levarem incautos às compras, que é o que se encontra por trás dos tais reviews.
Heber: À guisa de ponto final: recentemente o especialista em percepção musical, Neil Todd, da Universidade de Manchester, fez algumas descobertas sobre uma peça do sistema auditivo que herdamos dos peixes, chamada sacullus. Segundo Neil, ela serve para captar intensidades sonoras acima de 90 decibéis. Os pesquisadores já sabiam da sua existência mas não lhe davam a devida atenção. O sacullus faz conexão com partes do cérebro associadas à satisfação da fome e do impulso sexual; portanto, no cérebro essas agradáveis sensações misturam-se com o prazer de ouvir música em nível alto. Daí se explica a satisfação que experimentamos quando ouvimos música a elevados níveis de intensidade. Quando se estuda a curva da audibilidade aprende-se que existe uma intensidade sonora mínima para a percepção da música, que pode variar com a idade e por problemas auditivos, mas seu valor médio é 70 decibéis. Porque nessa intensidade somos capazes de perceber todas as freqüências musicais. Mas as intensidades acima de 90 decibéis são perigosas para o tímpano; ainda assim, algumas pessoas teimam em abusar dessa intensidade. Tal prática sempre me intrigou, embora eu não encontrasse uma resposta convincente para o problema. Agora, graças a Neil Todd, a questão ficou clara para mim: são gozos da qualidade do prazer sexual...