Artigo No. 3
"VIM PRA CONFUNDIR"
Sigmund Freud
Por Holbein Menezes
30 nov. 2022
(publicado originalmente em 26 abr. 2007, sob o número 124)
Não há o absoluto em reprodução do som musical; ou não existe a aparelhagem absoluta, um sistema ou um componente que desempenhe ótimo em qualquer situação todos os gêneros musicais. Sempre há e haverá necessidade de ajustagem tonal e de adaptação acústica; sempre. Que é antes de tudo uma arte e não uma técnica. Aí é que está. E arte pessoal e intransferível que não se aprende em escolas nem nos livros, e muito menos em revistas comerciais. Porque o que pode ser bom para mim pode não ser para uma pessoa “normal”.
Porque as nossas ouças não são as mesmas e nem sequer audiometricamente semelhantes. Porque as nossas salas não são iguais nem o nosso gosto musical idêntico. Porque aqui é o sossego da Lagoa da Conceição e o ar condutor é ainda puro! Porque nesta Colina Joan Miro a relação sinal/ruído externa é muito próxima da externa relação sinal/ruído dos cemitérios, e foi, aliás, em obediência a esta minha idiossincrasia “terminal” pelo silêncio que já comprei meu latifúndio de sete palmos lá no “Jardim da Saudade”... Destarte, em som musical tudo entre mim e os leitores difere, daí porque se tornaria suspeita qualquer opinião definitiva minha sobre o melhor sistema e sobre marcas de componentes. Mesmo porque não seria confiável nenhum indicativo de valor, de minha parte, estabelecido a partir de situação tão peculiar quão mutável. E doida!
Talvez não seja impróprio dizer que o som musical parece-se com a água no sentido de que possui a tendência de se adaptar ao “vaso” comunicante, a sala. Também da mesma forma como acontece com a água – se a quantidade de líquido for superior ao “vaso comunicante”, transbordará com certeza –; o som musical “transbordará” se o tamanho da sala for inferior ao tanto da pressão sonora que a peça reproduzida está a exigir. Para mim, esta é a Regra Número Um: não tente, por meio de componentes super dimensionados, ou super comentados, ou super caros fazer de sua sala média ou pequena uma sala grande. Não conseguirá e despenderá seus recursos pecuniários em troca de... de doloridas frustrações.
É preciso ter presente que minhas experiências são minhas, e destinam-se a buscar não o melhor mas o mais confortável som musical que as minhas condições materiais permitem. Inda que tais condições sejam boas, e até excelentes, como vocês estão carecas de saber. Os que me lêem com habitualidade sabem que em matéria de sala a “sand-filled” foi considerada por “experts” brasileiros e internacionais como exemplar, em especial por não exibir nem reverberação excessiva e nem ser “morta” em demasia, e “ocultar”, sei eu lá onde, mas ocultar com rara eficiência seus naturais módulos de ressonância. Talvez por ser uma sala que segue a proporção áurea, dado importante mas que por si só não faz mágica ao ponto de transformar o ruim em bom; talvez pelas paredes serem de madeira “doce” (cedro) ensanduichadas com areia de rio, as quais paredes são feitas de costaneiras, plissado arredondado que evita paralelismos entre as superfícies verticais; talvez por isso (clique na figura). Mas vocês sabem também que entre o piso e o teto não há semelhantemente paralelismo uma vez que o teto é enviesado e o piso está em nível com o mar. Com o benefício de que entre o piso e o caimento oblíquo do telhado há um filtro acústico fabricado em placas de papelão de espessuras diversas, instaladas as placas em paralelo com o piso. O filtro acústico produzido pelas placas de eucatex atua em especial entre os 500 e 2.000 Hz, região crítica que chamo de “zona do agrião”, a tomar emprestada a célebre frase cunhada pelo João Saldanha.
[Aqui me permitam uma digressão: em salas de colegas que tenho visitado, em ambientes profissionais para a reprodução do som, em estúdios para transmissão da voz, em escritórios comerciais com múltiplas máquinas barulhentas, em consultórios médicos de psicanalistas etc. tenho observado o emprego de placas de eucatex pregadas ou coladas às paredes, ou o uso de cortiça como “absorvedores” acústicos, ou ainda, o que agora é comum, placas endurecidas de “foam plastic”, corrugadas irregularmente, coladas em todas as superfícies do ambiente, até no teto. Mas da forma como são instaladas, isto é, grudadas às superfícies, duvido da eficiência dessas mezinhas (remédios caseiros).Tais absorvedores são eficientes, e são! se se seguem as instruções das fábricas, que sugerem pô-las sobre barrotes a fim de criar-se um “gap” acústico; só assim elas são de fato eficientes.]
Outra coisa imprópria para a propagação do som musical é o concreto armado que se está a usar em abundância em paredes divisórias de edifícios com a finalidade de reduzir custos das construções, ou seu substituto, o tijolo de cimento tão acusticamente inadequado quanto o cimento armado. Por que impróprio?
Antes de dar minha opinião permitam-me lembrar da experiência que a empresa estadunidense Soundcraftsmen fez ao lançar seu equalizador 20-12, estéreo, de dez controles de tonalidade atuando na profundidade de 12dB/oitava, nas freqüências de 30 Hz, 60 Hz, 120 Hz, 240 Hz, 480 Hz, 960 Hz, 1920 Hz, 3840 Hz, 7680 Hz e 15360 Hz (na figura, um modelo semelhante: clique). Construiu a Soundcraftsmen para vinte assentos um amplo ambiente retangular nas medidas da proporção áurea, mas o construiu em cimento armado e não fez nele qualquer tratamento acústico de tipos nenhuns. Instalou ali o melhor de sua linha de aparelhos, inclusive um equalizador especial desenvolvido para o evento, de 20 controles de tonalidade. Para a inauguração, convidou os vinte mais afamados “reviewers” (urgh!) das mais importantes revistas de áudio da Europa, Japão e Estados Unidos (do Brasil não tinha nenhum porque, se convidado o grande “connoisseur” Nestor Natividade ter-se-ia com certeza recusado a entrar nesta fria, a de “julgar” subjetividades...).
Conta a crônica da época que a “vivacidade” do ambiente era tão “vivace” que teria feito corar Béla Bartók no alucinado período em que compôs duas obras-primas do dodecafonismo, “O príncipe de madeira” (após a I Guerra Mundial) e “O mandarim maravilhoso” (balé só encenado em 1926), peças vomitadas em pleno surto maníaco depressivo do compositor mas concebidas, pasmem! sob a “serena” influência da música “assaz cantabile” de Stravinsky e Schöenberg... Sobre o “ambiente” do teste reportaram na revista “High Fidelity” que o simples “speech” entre os convidados e os técnicos responsáveis pela exibição tornou-se impossível; verdadeira babel rediviva.
Não me lembro mais com qual – e de quem – obra começaram o “concerto”, recordo-me porém de que houve protesto geral, a maioria dos “reviewers” levantou-se de seus assentos, alguns mais raiventos ameaçaram aos gritos abandonar o ambiente (ou tal “ambiente”), mas a confusão fazia sorrir (?) o Engenheiro Chefe da Soundcraftsmen; até o momento em que, passo ante passo, lento e calmo foi à cabine de controles e fez funcionar uma chave (!!!), santa e bendita chave que trouxe ao tumultuado “ambiente” a serenidade dos acordes da sinfonia nº 36 (“Linz”), de Wolfgang Amadeus Mozart sob a regência do inimitável mozartiano Carlos Kleiber, com a doçura secular da Filarmônica de Viena. É que naquele justo momento operava-se o milagre do equalizador de 20 controles de tonalidade da Soundcraftsmen; e era exato isso que se desejava demonstrar.
Essa experiência quer significar que, em reprodução do som musical nem o ambiente de escuta, a soberana sala, é absoluta ainda que seja fundamental... na ausência, é claro, de um equalizador de 20 controles de tonalidade, os quais não mais se fabricam (e acho que nem a Soundcraftsmen existe mais). Merda!
E saber, pô! que o cimento armado, o material comum das construções nos dias de agora foi o responsável por aquela confusão toda nos estúdios da Soundcraftsmen!. Fosse o ambiente feito de tijolo, talvez...
Pois é, os construtores contemporâneos impingem-nos construções em que pululam e abundam cimento e ferro, e cada vez mais o velho e cansado de guerra tijolo maciço de barro cozido que sustenta as paredes do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e dão ao teatro acústica soberba é substituído pela estupidez do concreto que infelicita faz anos o coitado do Maracanãzinho.
Sigmund Freud
Por Holbein Menezes
30 nov. 2022
(publicado originalmente em 26 abr. 2007, sob o número 124)
Não há o absoluto em reprodução do som musical; ou não existe a aparelhagem absoluta, um sistema ou um componente que desempenhe ótimo em qualquer situação todos os gêneros musicais. Sempre há e haverá necessidade de ajustagem tonal e de adaptação acústica; sempre. Que é antes de tudo uma arte e não uma técnica. Aí é que está. E arte pessoal e intransferível que não se aprende em escolas nem nos livros, e muito menos em revistas comerciais. Porque o que pode ser bom para mim pode não ser para uma pessoa “normal”.
Porque as nossas ouças não são as mesmas e nem sequer audiometricamente semelhantes. Porque as nossas salas não são iguais nem o nosso gosto musical idêntico. Porque aqui é o sossego da Lagoa da Conceição e o ar condutor é ainda puro! Porque nesta Colina Joan Miro a relação sinal/ruído externa é muito próxima da externa relação sinal/ruído dos cemitérios, e foi, aliás, em obediência a esta minha idiossincrasia “terminal” pelo silêncio que já comprei meu latifúndio de sete palmos lá no “Jardim da Saudade”... Destarte, em som musical tudo entre mim e os leitores difere, daí porque se tornaria suspeita qualquer opinião definitiva minha sobre o melhor sistema e sobre marcas de componentes. Mesmo porque não seria confiável nenhum indicativo de valor, de minha parte, estabelecido a partir de situação tão peculiar quão mutável. E doida!
Talvez não seja impróprio dizer que o som musical parece-se com a água no sentido de que possui a tendência de se adaptar ao “vaso” comunicante, a sala. Também da mesma forma como acontece com a água – se a quantidade de líquido for superior ao “vaso comunicante”, transbordará com certeza –; o som musical “transbordará” se o tamanho da sala for inferior ao tanto da pressão sonora que a peça reproduzida está a exigir. Para mim, esta é a Regra Número Um: não tente, por meio de componentes super dimensionados, ou super comentados, ou super caros fazer de sua sala média ou pequena uma sala grande. Não conseguirá e despenderá seus recursos pecuniários em troca de... de doloridas frustrações.
É preciso ter presente que minhas experiências são minhas, e destinam-se a buscar não o melhor mas o mais confortável som musical que as minhas condições materiais permitem. Inda que tais condições sejam boas, e até excelentes, como vocês estão carecas de saber. Os que me lêem com habitualidade sabem que em matéria de sala a “sand-filled” foi considerada por “experts” brasileiros e internacionais como exemplar, em especial por não exibir nem reverberação excessiva e nem ser “morta” em demasia, e “ocultar”, sei eu lá onde, mas ocultar com rara eficiência seus naturais módulos de ressonância. Talvez por ser uma sala que segue a proporção áurea, dado importante mas que por si só não faz mágica ao ponto de transformar o ruim em bom; talvez pelas paredes serem de madeira “doce” (cedro) ensanduichadas com areia de rio, as quais paredes são feitas de costaneiras, plissado arredondado que evita paralelismos entre as superfícies verticais; talvez por isso (clique na figura). Mas vocês sabem também que entre o piso e o teto não há semelhantemente paralelismo uma vez que o teto é enviesado e o piso está em nível com o mar. Com o benefício de que entre o piso e o caimento oblíquo do telhado há um filtro acústico fabricado em placas de papelão de espessuras diversas, instaladas as placas em paralelo com o piso. O filtro acústico produzido pelas placas de eucatex atua em especial entre os 500 e 2.000 Hz, região crítica que chamo de “zona do agrião”, a tomar emprestada a célebre frase cunhada pelo João Saldanha.
[Aqui me permitam uma digressão: em salas de colegas que tenho visitado, em ambientes profissionais para a reprodução do som, em estúdios para transmissão da voz, em escritórios comerciais com múltiplas máquinas barulhentas, em consultórios médicos de psicanalistas etc. tenho observado o emprego de placas de eucatex pregadas ou coladas às paredes, ou o uso de cortiça como “absorvedores” acústicos, ou ainda, o que agora é comum, placas endurecidas de “foam plastic”, corrugadas irregularmente, coladas em todas as superfícies do ambiente, até no teto. Mas da forma como são instaladas, isto é, grudadas às superfícies, duvido da eficiência dessas mezinhas (remédios caseiros).Tais absorvedores são eficientes, e são! se se seguem as instruções das fábricas, que sugerem pô-las sobre barrotes a fim de criar-se um “gap” acústico; só assim elas são de fato eficientes.]
Outra coisa imprópria para a propagação do som musical é o concreto armado que se está a usar em abundância em paredes divisórias de edifícios com a finalidade de reduzir custos das construções, ou seu substituto, o tijolo de cimento tão acusticamente inadequado quanto o cimento armado. Por que impróprio?
Antes de dar minha opinião permitam-me lembrar da experiência que a empresa estadunidense Soundcraftsmen fez ao lançar seu equalizador 20-12, estéreo, de dez controles de tonalidade atuando na profundidade de 12dB/oitava, nas freqüências de 30 Hz, 60 Hz, 120 Hz, 240 Hz, 480 Hz, 960 Hz, 1920 Hz, 3840 Hz, 7680 Hz e 15360 Hz (na figura, um modelo semelhante: clique). Construiu a Soundcraftsmen para vinte assentos um amplo ambiente retangular nas medidas da proporção áurea, mas o construiu em cimento armado e não fez nele qualquer tratamento acústico de tipos nenhuns. Instalou ali o melhor de sua linha de aparelhos, inclusive um equalizador especial desenvolvido para o evento, de 20 controles de tonalidade. Para a inauguração, convidou os vinte mais afamados “reviewers” (urgh!) das mais importantes revistas de áudio da Europa, Japão e Estados Unidos (do Brasil não tinha nenhum porque, se convidado o grande “connoisseur” Nestor Natividade ter-se-ia com certeza recusado a entrar nesta fria, a de “julgar” subjetividades...).
Conta a crônica da época que a “vivacidade” do ambiente era tão “vivace” que teria feito corar Béla Bartók no alucinado período em que compôs duas obras-primas do dodecafonismo, “O príncipe de madeira” (após a I Guerra Mundial) e “O mandarim maravilhoso” (balé só encenado em 1926), peças vomitadas em pleno surto maníaco depressivo do compositor mas concebidas, pasmem! sob a “serena” influência da música “assaz cantabile” de Stravinsky e Schöenberg... Sobre o “ambiente” do teste reportaram na revista “High Fidelity” que o simples “speech” entre os convidados e os técnicos responsáveis pela exibição tornou-se impossível; verdadeira babel rediviva.
Não me lembro mais com qual – e de quem – obra começaram o “concerto”, recordo-me porém de que houve protesto geral, a maioria dos “reviewers” levantou-se de seus assentos, alguns mais raiventos ameaçaram aos gritos abandonar o ambiente (ou tal “ambiente”), mas a confusão fazia sorrir (?) o Engenheiro Chefe da Soundcraftsmen; até o momento em que, passo ante passo, lento e calmo foi à cabine de controles e fez funcionar uma chave (!!!), santa e bendita chave que trouxe ao tumultuado “ambiente” a serenidade dos acordes da sinfonia nº 36 (“Linz”), de Wolfgang Amadeus Mozart sob a regência do inimitável mozartiano Carlos Kleiber, com a doçura secular da Filarmônica de Viena. É que naquele justo momento operava-se o milagre do equalizador de 20 controles de tonalidade da Soundcraftsmen; e era exato isso que se desejava demonstrar.
Essa experiência quer significar que, em reprodução do som musical nem o ambiente de escuta, a soberana sala, é absoluta ainda que seja fundamental... na ausência, é claro, de um equalizador de 20 controles de tonalidade, os quais não mais se fabricam (e acho que nem a Soundcraftsmen existe mais). Merda!
E saber, pô! que o cimento armado, o material comum das construções nos dias de agora foi o responsável por aquela confusão toda nos estúdios da Soundcraftsmen!. Fosse o ambiente feito de tijolo, talvez...
Pois é, os construtores contemporâneos impingem-nos construções em que pululam e abundam cimento e ferro, e cada vez mais o velho e cansado de guerra tijolo maciço de barro cozido que sustenta as paredes do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e dão ao teatro acústica soberba é substituído pela estupidez do concreto que infelicita faz anos o coitado do Maracanãzinho.
Meditem sobre os números da capacidade de absorção do tijolo e do concreto:
A diferença parece insignificante, mas, em termos absolutos, em 125 Hz é o DOBRO, e em 250Hz e 500Hz, o TRÍPLO! (Não encontrei nos meus alfarrábios os índices de reflexão de um e outro materiais, e reflexão tem a ver com a inteligibilidade da experiência nos estúdios da Soundcraftsmen.)
É aconselhável meditar também sobre a densidade dos materiais, concreto e tijolo, de que são feitas as salas de escuta – em geral dependências de um apartamento – e os revestimentos acústicos mais comuns empregados nas paredes:
É aconselhável meditar também sobre a densidade dos materiais, concreto e tijolo, de que são feitas as salas de escuta – em geral dependências de um apartamento – e os revestimentos acústicos mais comuns empregados nas paredes:
Falei de passagem em um dos períodos deste texto a respeito da madeira, “cedro doce”, e o que desejei significar com a alusão foi sobre a propriedade porosa dos materiais de construção e revestimento. E, tal qual Freud diante dos estupefatos “doutores” da Academia de Medicina de Viena, estabelecer confusão: por isso que quanto mais denso o material menos vibração, e quanto menos vibração menores ressonâncias mas, ora diabo! a ressonância é parte inerente à musicalidade dos instrumentos sem a qual soariam pífio. O contrário é desgraçadamente verdadeiro: quanto mais poroso o material mais absorvente ele é, e nada mais impróprio à música reproduzida do que uma câmara anecóica que é a expressão máxima da absorção...
Valei-me meu santo padim pade ciço!
VEJA A FIGURA ABAIXO:
Valei-me meu santo padim pade ciço!
VEJA A FIGURA ABAIXO: