Artigo No. 2
UMA EMPRESA PRA VENDER MUSICALIDADE
Por Holbein Menezes
28 nov. 2022
(publicado originalmente em 20 dez. 2010, sob o número 176)
Ilustrado por José Maria Aragão, de Guaratinguetá.
A ‘novidade’ que aponta cá no Brasil é uma possível associação entre um famoso fabricante de amplificadores a válvula e dois bambambãs das áreas da leitura dos discos e da acústica de sala.
O famoso fabricante, de renome internacional, já excursionou com conhecimento e competência e sucesso em todas as direções da eletrônica da reprodução do som musical; sabe, pois, o que é engano propagandístico de marqueteiro de aluguel a tanto por página e quanto por capa. E parece ter chegado à filosófica conclusão, depois de tantos anos de experiência, de que o melhor som musical doméstico é o que é pouco amplificado, em especial pelos bojudos e artesãos fora de moda tubos termiônicos 300B, de priscas eras. Mas não é a doença da melancolia que contaminou esse Engenheiro, ou surto de saudosismo que se traduz por desengano, é constatação prática para uso pessoal e de pessoa que gosta antes de tudo de Música.
O bambambã da boa leitura dos discos, alto funcionário de um grupo televisivo, em grande parte responsável pela implantação da técnica digital nesse grupo, convenceu-se de que não residia na mídia ela em si – seja o velho bolachão LP, seja a mui boa modalidade da fita magnética, nem também na conserva compacta tão malfalada –, convenceu-se esse ‘alto funcionário’ de que o calcanhar de Aquiles da reprodução eletrônica do som musical estava e está na mecânica e no processo de armazenamento e leitura das conservas. Ao comparar a qualidade de armazenamento, entre o disco rígido dos computadores e os megabaites guardados nos compactos, aceitou a tese que já perambulava aqui e ali na Internet, de que o armazenamento via disco rígido, se servido por placas auxiliares de alta qualidade, produzia uma leitura bem mais acurada dos bits armazenados; e produzirá melhor ainda se a adaptação a que, junto com o ‘famoso fabricante’, estão a tentar resolver os problemas mecânicos dos PCs, que ainda geram vibrações que prejudicam a leitura dos bits.
Já o bambambã da acústica cedo intuiu duas questões básicas. Primeira questão: que não existe a sala de reprodução ótima em si, e universal, seja teatro público, seja ambiente doméstico; sala e ambiente têm que ser ‘tratados’ para a peculiar finalidade a que se destinam. Um teatro de ópera, acusticamente não se comporta ótimo em concertos orquestrais; da mesma forma, um teatro de concerto não serve com propriedade aos espetáculos operísticos. Ainda, no gênero dos pequenos conjuntos, nem o teatro de ópera nem o teatro de concerto acusticamente condizem com espetáculos de música de câmara, jazz e popular.
Segunda questão: nos teatros de ópera e concerto orquestrais o principal problema são as ressonâncias de baixa freqüência, que geram ecos inarmônicos desconfortáveis; de outra parte, o necessário grande volume dessas salas dificulta a legibilidade dos poucos e débeis instrumentos de uma orquestra, e das falas. Um exemplo desse tipo de teatro é o moderno Teatro do Centro Integrado de Cultura, de Florianópolis.
Ora, e assim seria uma terceira questão: como os ambientes domésticos são em geral de tamanho reduzido em comparação com o volume dos teatros públicos, em tais ambientes de prendas domésticas jamais se poderá ter a replicação exata de eventos produzidos em teatros de ópera e concerto. E é justamente neste ponto onde entra o engenho e a arte do bambambã da acústica, terceiro componente da empresa que se estuda estruturar; bambambã que ‘descobriu’ o modo de compatibilizar os ambientes domésticos de escuta às condições concretas de cada musicista, em geral em reduzidos ambientes, proporcionando ao musicista do lar o prazer e a emoção da Música e não o ‘nonsense’ do som dos muitos decibéis.
E eu concordo. Porque o que mais tenho ouvido nos muitos lugares onde tenho andado é a prática da reprodução eletrônica do som dos muitos decibéis e não da música; isto é, a sempre e compulsiva tendência da mais grande amplificação do som em conserva independente do volume do ambiente doméstico de escuta e, quase sempre, na contramão de uma dada situação concreta. A trocar, destarte, a realidade pelo desejo.
Tenho ouvido demais – ora, como tenho! – a exibição do bombástico e do grandiloquente som eletrônico... em situação de prendas domésticas; e também – valha-me meu santo padim pade ciço! – e também a peculiaridade cansativa e fatigante de tais sistemas de som bombástico, que são especializados em reproduzir detalhes e transitórios e nuanças que estão na música, é verdade, mas que não fazem a Música! Particularidades que ouvimos, e de fato ouvimos, não por serem tais detalhes essenciais à Música; da mesma forma, diga-se de passagem, como não foram essenciais aos jogos da Copa do Mundo a transmissão eletrônica em super câmaras lentas com o máximo de ‘zoom’, que nos exibiam em HD detalhes de canelas, pés, chuteiras, travas de chuteiras e pisadas no adversário, que se batiam e debatiam-se, e se cruzavam e descruzavam-se no perigoso balé das jogadas bruscas sem que o juiz nada pudesse apitar; porque o juiz – esse felizardo! – sem os apetrechos das super câmaras lentas e dos ‘close-up’, simplesmente não constatava tal balé macabro.
Enquanto o jogo, o jogo que já fora balé e hoje se há tornado uma partida de xadrez entre mestres, esse jogo desenvolvia-se nas quatro linhas por meio de jogadas de calcanhar, passes curtos e precisos, ocupação de espaços, dribles, domínio completo da bola, chutes de três dedos, folhas secas, chapéus e canetas . Óbvio, das equipes bem estruturadas e jogadas feitas por jogadores quase meninos e ainda quase anônimos; porquanto os ‘superstars’, esses poupavam suas pernas milionárias.
Bom juízo tem, pois, o Sílvio Santos que apetrechou seu sistema televisivo para transmitir em HD, cujo minuto é bem mais rendoso, mas para transmitir os programas dos outros... O seu, NÃO! Suas rugas de ancião octogenário são suas e não as deseja exibir a pretexto de progresso nenhum.
A atual amplificação do som em ‘salas espetaculares’ tão ao gosto dos que não gostam de Música, mas de equipamentos – os idólatras dos ‘high end’ (que anunciam para breve realizar um Áudio Show ‘high-end’, no Rio) –, e a moda irracional dos muitos e poderosos watts, e a vaidade dos custosos aparelhos de grife pagos em dólar, tais audiotices assemelham-se ao HD das transmissões em tevê: servem mais é para realçar defeitos e erros.
A trinca que se está a estruturar não só será apenas a antítese dessa tese audiota mas, e sobretudo, a consubstanciação da síntese de que ‘o bom está no singelo, e o belo, no simples.’
Meu atual sistema minimalista.
O sistema de leitura resume-se em apenas o devedê OPPO Modelo OPDV971H, que a generosidade do Vlamir Freitas, da Logical Design, obsequiou-me fraternalmente. Até sem um motivo real senão o do afeto que nos devotamos; porquanto tenho escrito quase nada sobre os produtos que ele fabrica e os que agora distribui.
Esse OPPO é dotado de controle de intensidade e equalização, de tal maneira que se pode prescindir de pré-amplificador – e a minha experiência há ensinado-me que o melhor pré-amplificador da mais cara grife não se compara com o acoplamento direto ledor para amplificador. Em geral os discos são gravados com sinal elevado desobrigando pré-amplificação.
Os amplificadores são dois monoblocos de 15 watts cada, com a soberba e mui musical válvula 300B; amplificadores que alimentam duas caixas semi-ovais nas quais, em cada, estão instalados os espetaculares ‘woofer’ KB-6 AKRON, cujo desempenho, no dizer de seu projetista, Paulo Ramos, a ‘...versão Woofer em dupla e em caixa de 39 litros dutada com 27 cm x 7,5 cm deram-me uma resposta nas baixas de 27 Hz a - 4 dB em minha sala de audição. Essas medidas tirei com o meu ‘real timer analyser’ e com gerador de áudio. Os KB-6 tem uma ‘compliância’ máxima de 20 mm pico a pico e se prestam para graves rápidos e profundos. ‘
Por via do que, o ‘woofer KB-6 carece de ‘tweeter’ e pus o mais musical alto-falante de alta frequência que já ouvi até hoje, o ‘tweeter’ húngaro que retirei das caixinhas ETALON ONE; uma loucura mansa que só os musicistas são capazes de sofrer... Porquanto o par das ETALON ONE custou-me, em troca eles por eles, o amplificador KARAM Model One...
Esse singelo sistema, e para usar uma palavra em voga, ‘minimalista’, é extremamente musical e quando me refiro musical estou a pensar em música de câmara, Bach à frente, Mozart em seguida, o resto vem atrás... se resto houver!
Mea-culpa.
Houve tempo em que cultivei eu também a sala doméstica grande, os aparelhos eletrônicos possantes e seguia as máximas de Gilbert Briggs em relação a caixas de alto-falantes: ‘the big the best ‘ ou ‘the heavier the better’.
Lembram-se do surto de paranóia eclodido quando eu tinha a ‘Sand-filled’? Desejam recordar?
Texto escrito em Florianópolis (SC)
A sugestão veio de ‘Dom’ Guilherme Werneck, de Petrópolis: pendurar na sala de reprodução do som musical algumas peças daqueles ‘canos’ de papelão grosso próprios para enrolar tecidos. Contou-me: próximo a sua casa existe uma fábrica de confecções, das centenas que abundam na bela e aprazível cidade serrana do Estado do Rio. Ao passar certo dia em frente à confecção viu dentro da lixeira os tais tubos de papelão, uma porção deles. As pessoas temos o impulso de levar para casa objetos descartados que a intuição nos faz supor que um dia terão serventia. ‘Dom’ Guilherme não foi exceção. Forte como é, retirou da lixeira um punhado de tubos e levou-os para casa. Que ficaram à deriva no seu depósito de sucata a espera de utilização.. É preciso que se diga que ‘Dom’ Guilherme Werneck talvez tenha sido o primeiro brasileiro a construir uma sala dedicada à reprodução do som musical. Aí pelos idos de 1960... Propriamente não construiu uma sala de música, adaptou a garagem de sua moradia ao fim. E fê-lo com muita sabedoria, experiente que é na matéria, então audiófilo bem mais competente que eu, enquanto mal eu sabia instalar com correção meu sistema eletrônico prêt-à-porter, QUAD, ‘Dom’ Guilherme construía com seus conhecimentos de eletrônica e suas mãos hábeis seus próprios aparelhos valvulados. E como tocavam, os danados! A sala de ‘Dom’ Guilherme tem as medidas do seguimento áureo, ainda que o pé-direito seja ligeiramente abaixo de 3 metros. Mas dentro do limite de 10% para mais ou para menos advogado pelo ‘sábio’ Guilbert Briggs, da Wharfedale. A peculiaridade do som do Guilherme, o que sua sala tem de diferente está no número de alto-falantes. Assim como o veterano audiófilo paulista de Santo André, Euclydes Rios, Guilherme não aceita que se possa obter em condições domésticas a grandeza do som orquestral dos teatros apenas com um par de sonofletores, por melhor que ele seja ou por mais respeitável que seja a marca... Vejam: o subgrave de ‘Dom’ Guilherme é realizado por meio de 8 (oito) woofers de 15 polegadas, quatro deles instalados em caixa de concreto de 10 pés cúbicos. É mole? Os médios são reproduzidos via um par dos painéis ribbon AKRON, fabricação do Paulo Ramos, auxiliado por 4 alto-falantes Goodmans Axion 80, imãs de 17.000 linhas! Querem mais? Agudos e agudíssimos – porque Guilherme faz questão dos agudíssimos – estão presentes graças à batelada de 8 (oito) tweeters! Chega? A especificidade dessa parafernália está na disposição dos alto-falantes na sala, não há ordem simétrica – isso não há! –, e nem todos os alto-falantes estão dentro de caixas, também não estão! ‘Dom’ Guilherme explica que essa excêntrica ‘arrumação’ dos alto-falantes na sala segue ‘necessidades acústicas’: uns para reforçar a ilusão de palco, outros para ‘quebrar’ ressonâncias indesejáveis (os fora de caixas), e um e outro para produzirem dispersão, estes, em geral os tweeters,são por isso virados para cima. Move todo esse conjunto de falantes amplificadores brasileiros, cujo número de unidades não me lembro agora, só sei que há dois Marins, que são amplificadores transistorizados com fonte estabilizada e acoplamento direto projetados e construídos pelo Físico, Professor Eugênio Marins, da Universidade do Brasil, faz 40 anos!! E como tocam, os danados! Mas voltemos aos tubos de papelão: um dia Guilherme resolveu dispor alguns tubos, aleatoriamente, ao longo da sua sala. Tomou um susto quando ouviu o resultado. E aí me escreveu: ‘Estou abismado com os resultados que tenho obtido com os tubos de papelão. Aquilo que suponho ser o que os ‘entendidos’ chamam de sensação de ‘palco e arejamento’, está num patamar que, nestes quase 50 anos de audiofilia, nunca dantes havia eu conseguido tal resultado ‘ (isso em 1980!). Entretanto, a partir da instalação inicial, feita ao acaso, começou o ‘Dom’ a fazer experiências para identificar os mais efetivos e indicados pontos para posicionar os tubos. Hoje, se confessa muito satisfeito. E por isso, bom e velho amigo que é, tem insistido para que eu repita a experiência nas minhas condições. Foi a fome com a vontade de comer, se eu já sou dado a fazer experiências não ortodoxas imaginem os leitores uma sugerida por ‘Dom’ Guilherme Werneck, de quem tenho aprendido muito nos mais de 50 anos de nossa estreita e fraterna amizade. O diabo é que não descobri em lixeira alguma cá nesta Ilha da Magia os tais tubos de papelão, apesar de a indústria de confecção ser uma das duas exceções que a eficiente e exigente Prefeita Ângela Amin permite funcionar na parte ilheta de Florianópolis. A outra exceção é a indústria de informática. Quer dizer, nada que polua; daí porque Floripa é a campeã de qualidade de vida das cidades do Brasil varonil salve salve. Mas... é bom não espalharem isso. Como quem não tem cão caça com gato, na falta dos tubos usei estojos de papelão para acondicionar maçãs. Pois! Não somos os de Santa Catarina os ‘reis’ da maçã tupiniquim? Dependurei os estojos, dois para cada canal, um a 1 metro atrás do painel AKRON superior (lembrem-se que uso 4 AKRON Especial – sand-filled – um em cima de outro), e outro estojo, a metro e meio, mas os dois em alturas diversas; instalei um quinto estojo, também atrás dos falantes mas no meio da sala e ao meio do pé-direito. Pregados na parede dos fundos, de tijolo, 3 estojos, e no teto, já de Eucatex, 4. (Esses estojos para acondicionar maçãs possuem saliências e reentrâncias, o que beneficia sobremodo a dispersão.) Fui ouvir o que já era bom; ficou melhor! Muito melhor! Alterou não só a ilusão de palco, os três planos – frente, meio e trás – ficaram mais definidos e o balanço tonal passou a favorecer as médias freqüências, que é o miolo sagrado, e delicioso, do som musical reproduzido. Ouvi ontem, por exemplo, o Concerto de Violino, de Sibelius, na execução primorosa do jovem virtuosse russo Maxim Vengerov, com seu Stradivarius de 1723, ex-Kiesewetter, e foi um desbunde! Estava comigo na ocasião o mestre psicanalista internacional, Dr. Victor Manoel Andrade, muito bom ouvinte, que não cansava de exclamar: ‘Nada pode ser melhor!’, ‘Como pode um som ser tão perfeito!’ ‘Não acredito no que estou ouvindo!’ |
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Texto escrito em Fortaleza (CE) Tive dia desses uma experiência incomum jamais dantes vivida por mim em tantos anos de experimentador do som musical. Estive em companhia do Dr. George Magalhães na casa do audiófilo José Carlos dos Santos, mais conhecido como Dedé. Que nos recebeu fidalgamente, com comes e bebes e uma inesperada qualidade de som musical. O mais intrigante som reproduzido que ouvi em toda minha longa vida audiófila. Para longas audições, talvez algo asséptico e um tanto analítico demais mas, ainda assim, som musical de altíssima qualidade. O busílis, mais que busílis, estupefato é que o tratamento acústico da sala de música do Dedé é um caso... como direi? um caso de psiquiatria. Eu disse a ele: é uma ‘obra’ de loucura paroxítona tipo a obra louca do genial louco Salvador Dali. Mas não chega a ser paranóia como a de Dali embora eu tenha o pressentimento de que se tratam de delírios estruturados sobre frágil base ortodoxa quiçá lógica, a produzir em contrapartida qualidade final de altíssimo quilate, o que testifica a sanidade mental do Dedé e sua testosterona criativa. Nunca ouvi outro som reproduzido semelhante, ou assemelhado, nem mesmo nas dez salas da Som Maior tratadas por Acústico estadunidense. Talvez por isso mesmo... Para começar, o José Carlos lançou mão de toda a sucata de poliestireno expandido – o popular isopor – que pôde encontrar nas sujas e barulhentas ruas de Fortaleza: pedaços de embalagens de geladeira, máquina de lavar, tevês etc.; aqui e ali a embalagem inteira; chapas de isopor de 3 centímetro de espessura, umas inteiras outras quebradas; caixas de papelão, armadas e desarmadas, grandes e pequenas, a mancheias; e placas de cerâmica, de 60 cm, de 30 e de 10, inteiras, quebradas, no chão, dependuradas, uma babel alucinada e alucinante! Sucata que cobre todas as paredes e o teto e grande parte do piso, que se lhes não avistamos nem sabemos onde ficam; adivinhamos; o piso não passa de uma vereda, menos do que um caminho, e se se não toma cuidado, puft! lá se derruba um ‘elemento’ da complicada engenharia acústica do José Carlos. As ondas sonoras geradas pelos falantes – duas caixinhas BW 805 de menos de um pé cúbico (apenas essas duas!) – as ondas sonoras ‘devem’ circular ou circunscrever ou abrir caminho – sei eu lá! – no imaginado estreito ‘corredor’ central, único ponto da sala do Dedé que não está tomado de algum material absorvente. Uma sala anecóica às avessas... das arábias. Talvez fosse melhor dizer... do Iraque invadido, a tirar pelos ‘restos’ de objetos não identificados que se espalham a esmo pelas ruas iraquianas. E, segundo o Dedé, tudo ali tem sua importância acústica. Quanto mais não seja, alguns ‘elementos’ dessa parafernália são refletores e outras absorventes; agora, o que é que produz aquele equilíbrio tonal exemplar, isto é, o quanto é absorvido de som e o quanto é refletido, e o quê em cada caso, isso nem o José Carlos sabe. Não há, pois, um plano, não existe uma ordem pré-estabelecida nem mesmo está presente a lógica dos contrários cantadas pelo Caetano Veloso: ‘o avesso do avesso’. É o caos embora um caos diferente uma vez que na desordem há a ordem do resultado – lá isso há! – e se o resultado é bom, como ocorre na sala do Dedé, a ‘ordem’ deve ser boa... se não boa, própria. Própria, é o termo! Nada falta nem sobra nada ou, se pensarmos em termos de acústica acadêmica, tudo sobra e falta tudo. Uma doidice de ponta-cabeça! A sala ‘parece’ (parece... porque dentro dela não se enxergam seus limites) parece de bom tamanho a se deduzir por parcial visão que se tem dela do lado de fora e, quem sabe, possui forma retangular; as medidas devem estar beirando às do Segmento Áureo para pé-direito de 3 m mas o espaço ‘livre’ de ‘elementos’ (não cobertos pelos ‘elementos acústicos’, espaço que se constitui em um imaginário corredor central, corredor não, um túnel, túnel ainda não, uma corneta exponencial, talvez isso; e não é isso – é mais ou é menos isso se isso fosse o espaço livre que sobra nas cavernas de pedra tomadas por formações de estalactites) – o espaço livre não deve ter mais do que 12 m2, por aí E é por ele que se irradiam as ondas sonoras geradas a partir das duas caixinhas. Um verdadeiro escândalo! São apenas dois assentos, uma poltrona e um banco, e se estão lá três pessoas – como estivemos nessa tarde, Dr. George Magalhães, José Carlos e eu – um dos três fica em pé, e por fidalguia do Dedé sobrou para ele, o dono da casa. Do meu assento, a poltrona central, eu ouvia um ‘palco’ como nunca ouvi nem mesmo na ‘sand-filled’ de triste fim. A ilusão de os instrumentos estarem ora na frente ora no meio e às vezes nos fundos do ‘palco’ é estranhamente bem marcada, e a orientação direita e esquerda, muito nítida. Um milagre nessa torre de babel arataca... As caixas são pequenas mas o som sinfônico é grandioso, e o grave bem articulado e profundo (como pode? duas pequenas caixinhas!); os médios de primeiríssima qualidade estão ali presentes bem no miolo da sala, e um agudo de furar os tímpanos! Por sinal, Dedé confessou-me que é fissurado em agudíssimos, o triângulo, para ele, tem que soar Triângulo com T maiúsculo, uma batida de címbalo tem que ir aos 16,000 Hz! Tarado! E aqui registro, a bem da verdade, que o Dedé confessou-me que não entende de acústica, nadinha de nada; mas, afirmo eu, possui ouvidos privilegiados, toda a ‘afinação’ de sua sala bem afinada é feita de ouvido. É natural que o José Carlos, em matéria de som tenha gosto próprio – de resto, todos nós temos – por isso ‘afina’ sua sala na conformidade de seu gosto. Que difere do meu, por exemplo: gosto de um som mais ‘sujo’, mais ‘esporrento’, mais próximo da realidade desta vida barulhenta enquanto o Dedé aprecia um som musical completamente asséptico, puro e límpido, o que leva seu som para o reino dos céus... Porque o Céu deve ser assim, limpo, limpíssimo, sem barulho exterior, só o suave canto dos anjos para amenizar a ira de Deus com seus filhos ímpios cá desta Terra maluca... e de outros planetas habitados, que os deve haver, não há por que não. Não saberei falar com acerto da aparelhagem do José Carlos, do meu assento via apenas as duas pequenas caixas e dois prés... Sim, porque o Dedé me informou que usa dois prés mas fiquei sem saber como os interconecta no sistema. Os amplificadores, no plural – que os não divisei – são todos da marca McIntosh, uma das manias do dono da sala, possui alguns não sei quantos e não sei se todos conectados... Os cabos de caixa são parrudos, grossos, fornidos mas não memorizei a marca. |