Artigo No. 1
RECOMEÇO
Por Holbein Menezes
20 nov. 2022
Com um artigo meu, inauguro este JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ. Publicação aperiódica via Internet, endereçada aos que gostam do que escrevo, e escrito também, por vezes, pelos que compartilham das minhas idéias sobre áudio e música.
É que não pretendo voltar a escrever para a vitoriosa revista do meu amigo Fernando Andrette. Até anunciei tal propósito a meu filho Carlos Holbein, coordenador editorial da revista, e a alguns amigos. Motivos: ocorrera na revista Clube do Áudio e Vídeo pressões contra mim. Meus artigos incomodavam. A revista, que deixara de ser uma revista de clube, tornara-se um periódico de bancas, crescera, ostentara boa aparência, espessara, ganhara novos proprietários, e diretoria; virara imprensa e empresa. E nesse seu crescimento assumira obrigações. Minhas desabusadas posições pasquineiras começaram a conflitar-se com tais obrigações. Em vez de ajudar, eu estava a criar dificuldades. Melhor era, pois, “sartar” fora. O que fiz. Aquela “Despedida” fora de verdade uma despedida.
Mesmo porque veio o período difícil, e sofrido, do tratamento de minha saúde. O “leão nordestino” cambaleara, perdera a juba, adoecera, ficara manso e fraco tal retirante de seca. Desanimado quase ao absoluto. A vontade era ficar no balanço de minha rede nordestina, lobrigando lá distante a nesga das águas tranqüilas da lagoa que o “progresso”, na sua inexorável e perversa caminhada, me deixara de herança; e a fazer o que o homem mais gosta de fazer: nada. Foi quando começaram a chover mensagens. De solidariedade. De incentivo. De esperança. De inconformidade com a despedida que eu anunciara. Foi lindo! Foi lindo ver Luis Zattar, da Som Maior, com quem sempre me desaviera, comparecer com uma tocante mensagem de solidariedade, em seu nome e nos nomes de todos os que fazem a Som Maior. Chocante!
Leitores que eu nem sequer imaginava ter descobriram meu endereço eletrônico e comunicaram-se comigo. Muitos. Dezenas. Transcrevo, por características, as mensagens de dois deles:
Subject:Saúde
Prezado Holbein Menezes,
Envio-lhe meus sinceros votos de pronto restabelecimento. Aprecio muito sua coluna na revista. Ela nos alerta para não nos tornarmos "audiotas". Afinal, o que importa realmente é a música.
Não se incomode com as críticas. Se sua opinião incomoda muita gente, é sinal que há de haver uma grande verdade nela. Basta lembrar de Giordano Bruno e Galileu... E mais, tenha paciência com essas pessoas.
Seus ensinamentos me fazem lembrar a história de um sábio monge budista japonês, que apontava o dedo para a lua, na vã tentativa de mostrar a lua aos seus discípulos. Estes, apenas enxergavam o dedo... A história se repete: ao invés de escutar a música, há pessoas que escutam os aparelhos...
É difícil trazer luzes para as pessoas.
MUITA SAÚDE. Um grande [ ]. Evandro Kato, Bauru-SP.
Subject: Ao seu restabelecimento!
Meu estimado Sr. Menezes!
Li com certa apreensão no mais recente exemplar do Clube que o caro amigo vai se submeter a um tratamento de saúde. Esta mensagem destina-se antes de mais nada a desejar-lhe completo e pronto restabelecimento Assim como o Sr. sou sertanejo nordestino e seu leitor assíduo desde o primeiro Nº do Clube do Audio. Leio sua rubrica "OPINIÂO" antes de qualquer outra matéria da Revista. Digo-lhe: concordo em gênero, número e grau com seu discurso e suas posições sobre alta-fidelidade, aliás um negócio, na minha modesta opinião, fartamente tocado pelo esnobismo.
O que fazemos com nossos equipamentos é simplesmente construir modelos das realidades sônicas ouvidas em salas de concerto boas e às vezes nem tanto. Esses modelos são apenas modelos, e refletem o universo sônico com maior ou menor grau de realismo, ou de approach maior ou menor, jamais igual ao evento original. Me lembro que alhures, em outros tempos e outras plagas ouvi o excepcional Mravinsky, conduzindo a 5ª Sinfonia de Tchaikovsky, com sua também excepcional orquestra da então Leningrado.
No fim aplaudi longa e delirantemente. A experiência continua na memória e jamais poderá ser REPETIDA...
Podem ser feitas tentativas de reprodução mais ou menos bem sucedidas, repetir o evento, jamais!
Lembro-me também do meu primeiro pre-power - um Sansui AU 999 e um par de caixas AR . Coloquei o adágio para cordas de Barber, e também essa experiência continua inolvidável. Em seguida pus para tocar aquela cena da morte de D.Quixote de Massenet na voz de Fiodor Chaliápin - gravação lá das profundezas dos anos vinte. Me comovi, como até hoje me comovo ouvindo essa peça, trinta anos depois e com equipamento Krell/caixas Wilson e Bose, correntezinha elétrica toda cheia de precauções desde o quadro de força, tomadas hospital grandes, filtragenzinhas, e Deus sabe quanta parafernália mais, trocada e acrescida durante esses 30 anos! A coisa melhorou? Não sei com certeza. Sei que hoje posso, via reprodução eletrônica, distinguir o barulho de palmas do barulho de chuva.
Isso é meu paradigma de um equipamento de som razoável. Coisa de tabaréu nordestino, mas em que confio!!
Seu Menezes,acabei fugindo do principal e ficando prolixo. É sempre assim quando falo de música, pois música e não equipamento é meu compromisso.
A finalidade dessa mensagem não é falar de outra coisa senão do meu desejo de coração de um pronto restabelecimento para o senhor.
Muita saúde e pau nos males que soem atacar nossos organismos! Breve regresso, amigo! Não quero descontinuidade de sua matéria em nenhum exemplar do Clube.
Aceite o caloroso e fraternal abraço do patrício e admirador sincero.
SAÚDE
Paulo Facó.
P.S. Esta mensagem não é para publicar. Apenas para levar-lhe um abração
(Desculpem Evandro e Paulo a inconfidência. As mensagens de vocês tocaram-me tanto que não pude resistir divulgá-las. Não podem ficar anônimos os bons exemplos senão proliferam os maus, não é verdade?)
Continuando. Este jornal começa com um artigo só, o meu, mas estará aberto para outras colaborações. Se forem pertinentes, é evidente. A “linha editorial” consubstancia-se numa única palavra: experiências prazerosas. Experiências audiófilas que tenham trazido conforto e gosto ao ato de ouvir música em conserva. Uma vez o Físico Professor Heber de Sousa perguntou-me: “O senhor já experimentou ouvir música (via eletrônica) com o ar da sala desumidificado por meio mecânico? Com um exaustor ligado, por exemplo?”
E por que não? Fato inegável e conhecido de todos é que ainda existe uma grande distância entre a qualidade sônica da música ao vivo e sua qualidade se reproduzida eletronicamente. Por quê? Os antigos achavam que tal discrepância se devia à eletrônica. Então os aparelhos portavam níveis de distorção altíssimos, em redor dos 2%. Havia os transformadores de saída, para rebaixar a impedância, que deformavam as ondas quadradas... Havia os capacitores de acoplamento... Os resistores eram de carvão, com tolerância de 10%; os capacitores, de cerâmica..., a fiação interna, de fios ordinários... E por aí. Usaram-nos Saul Marantz e Peter Walker, dois pioneiros. Tudo isso porém foi alterado com o surgimento da eletrônica do estado sólido e o avanço tecnológico. Apareceram os resistores de metal filme com 1% de tolerância, capacitores de fita de polipropileno (tin foil e companhia), potenciômetros em década (black gate e similares), cabeamento de fio de prata, circuitos impressos, entradas balanceadas, soldas especiais, a magia do chip, o resgate dos eletrolíticos de altíssima qualidade e custo (acima de 20 dólares) etc. etc. E o som? A qualidade sônica dos eletrônicos ficou igual à qualidade do som original?
NÃO! Aproximou-se mas ainda está distante, muito distante. Por isso criei um dos teoremas de Holbein: a música ao vivo é uma coisa e outra coisa é a música reproduzida por meio eletrônico. Ambas podem ser boas, regulares ou ruins; ainda assim, distintas. Ambas podem ou não proporcionar prazer. Ou desprazer. A finalidade deste jornal virtual aperiódico é trabalhar em favor do prazer de ouvir música por meio eletrônico. Sem consideração com as muitas marcas dos aparelhos eletrônicos nem os ilustres nomes que assinam os projetos. Ainda: sem levar em conta o preço dos sistemas. Porque estamos convencidos de que não está nas marcas nem na aparência dos sistemas a solução; nem nos ditos “recursos” deles (sistemas), de suas múltiplas entradas e saídas. Tudo isso tem-se revelado mera maquiagem. Em que pesem os esforços de articulistas “especializados”, de reviewers, de testadores de sistemas, para convencer os incautos de suas “verdades”... por vezes algo comprometidas.
Nossa finalidade aqui não é falar de aparelhos, é trocar experiências. Paulo de Sousa Ramos dia desses informou-me, entusiasmado: “- Descobri um indutor de fita de cobre que é uma maravilha; resistência quase zero; qualidade cem. Nunca ninguém usou isso em divisor de freqüência. Com tal indutor desaparece a doidice que é pôr-se um cabo de qualidade (caríssimo) no elo amplificador-caixas, se portadoras estas de indutores de fio ordinário. O indutor de fita iguala-se em qualidade e neutralidade aos melhores cabos que conheço.” Faz sentido. Isso, sim, é avanço. Nisso eu acredito. Em propaganda, não.
Nosso JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ não é contra ninguém nem coisa alguma senão a desonestidade. E para mim a falta de franqueza é a forma sutil com que costuma se manifestar a desonestidade. “Eu não censuro, às vezes sugiro”. “Eu não corto, por vezes peço para omitir”. “Diabo, há os compromissos”. Pois não teremos os do JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ, compromissos. Nem dogmas nem princípios. Queremos ser livres. Mentes abertas. Nada de regras. Se uma experiência deu certa, divulgamo-la, tenha ela lógica ou não, respaldo técnico ou não. Porque, afinal de contas, ninguém sabe ao certo por que o som eletrônico ainda se encontra tão distante do som original.
A propósito de coerência, esse conceito reacionário das classes dominantes, antinatural e contrário ao desenvolvimento (imaginem se Freud tivesse sido coerente...), leiam este texto do incoerente Jorge Pieiro, cearense, professor de Literatura do Colégio Espaço Aberto, ensaísta, poeta e ficcionista, que há publicado, dentre outros livros, Fragmentos de Panaplo (prosa, 1987); Neverness (poesia, 1996); e Caos portátil (prosa, 1999). Mantém dois livros inéditos prontos para a batalha de editores e o encontro triunfal com aproximadamente 100 leitores. Que é, semelhantemente, a meta de o JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ. Cem leitores.
Quem dera!
cabeça
ainda tenho as mãos os pés o intestino a bílis a enxaqueca e a farta lição de casa os artefatos as cinzas da inquisição as aleivosias o ciúme a crise o torso do acrobata de um livro antigo a pedir desculpas e a continuar caindo no céu da pátria que o chão se abriu o latifúndio do joão medido a palmos a bananeira os abutres e a colina a amargura o gim e a conquista o pus e a cisão mas também a alegoria a fantasia e o carnaval infestado de selenitas a coorte dos antigos e dos amigos o lapso e a mácula a pereba o estrume da raça e o anseio nefelibata cage a fé o demônio e a imensa satisfação de sobreviver digamos aprisionados nos espelhos a cura e a fúria mas enfim tenho ainda o fim em minhas mãos a arma
ainda tenho
o grilo no automóvel passou por mim passageiro feito a infância e eu não vi a rua molhada de passos tristes passos da gente sem face pois não vi o sol crestando a face dessa gente a quarenta graus à sombra ou ao gelo de trinta negativos no breu branco do silêncio isso eu não vi por isso não tenho mas
ainda tenho
no entanto desses como a que perdi só não vejo a cabeça que encorpa incorpora e poreja mas seja assim assimilar com a verdade a verossimilhança a imensa pureza de ainda ter o cravo na pele incrustado do que dói como a ausência por fim no que
ainda tenho
as mãos com essa arma que retribuirá o fel por nada mesmo que essas cabeças insistam de avestruz em esconder a febre o olho o bafo das narinas a cicatriz o espelho e a alma a ruga o sestro a dor a careta e o riso o privilégio do esgar a varíola a pele ressequida a madeira da cara o óleo a penumbra a sombra e a silhueta o cocar das alucinações ou que se perpetuem na longevidade das tartarugas dos ratos de gaveta dos axiomas falsos nas mentiras nas vestes seculares por fim nas falsas visões e insensatez por mais que risível e veloz costumo apontar com as minhas mãos que
ainda tenho
E para finalizar, apropriando-me do bordão do Pieiro,
ainda tenho
a saúde inda que débil para aperiodicamente falar com vocês dizer verdades que uns tantos acham besteiras contrariar interesses dos que só têm interesse no próprio interesse desmistificar os que se consideram doutores da lei em eletrônica tal o menino jesus no meio dos doutores do templo que ninguém é dono da verdade nem eu mas
ainda tenho
tutano teimoso que sou jumento dócil para os amigos potro brabo para os enganadores chicote em punho contra as obrigações de compromisso que não sejam as do prazer de ouvir música boa música para o lazer somente escutada seja via radinho de pilha vitrola de corda três em um um mais três dois ponto zero cinco ponto um o que seja que não seja caro porquanto não é no caro que o bom habita pelo menos em música assim testemunhei dia desses em porto alegre ouvindo um excelente disco gravado nos pampas pelo doutor marcello sfoggia produção da líder do conjunto de câmara de porto alegre a soprano marlene hofmann goidanich a cantar com sua linda voz singelas canções dos trovadores medievais poetas e músicos da baixa idade média européia acalentos que nos deixam extasiados e dão sentido ao dito do musicólogo carioca ernesto bueno que sustentava que o belo está no simples no complexo está a enganação porquanto ninguém mente numa só palavra mente-se em discursos em bando ou em bandas jamais em pequenos conjuntos como esse de câmera de porto alegre
ainda tenho
dito e mais direi nos números que seguirão aguardem Holbein Menezes ou quem seja.
Por Holbein Menezes
20 nov. 2022
Com um artigo meu, inauguro este JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ. Publicação aperiódica via Internet, endereçada aos que gostam do que escrevo, e escrito também, por vezes, pelos que compartilham das minhas idéias sobre áudio e música.
É que não pretendo voltar a escrever para a vitoriosa revista do meu amigo Fernando Andrette. Até anunciei tal propósito a meu filho Carlos Holbein, coordenador editorial da revista, e a alguns amigos. Motivos: ocorrera na revista Clube do Áudio e Vídeo pressões contra mim. Meus artigos incomodavam. A revista, que deixara de ser uma revista de clube, tornara-se um periódico de bancas, crescera, ostentara boa aparência, espessara, ganhara novos proprietários, e diretoria; virara imprensa e empresa. E nesse seu crescimento assumira obrigações. Minhas desabusadas posições pasquineiras começaram a conflitar-se com tais obrigações. Em vez de ajudar, eu estava a criar dificuldades. Melhor era, pois, “sartar” fora. O que fiz. Aquela “Despedida” fora de verdade uma despedida.
Mesmo porque veio o período difícil, e sofrido, do tratamento de minha saúde. O “leão nordestino” cambaleara, perdera a juba, adoecera, ficara manso e fraco tal retirante de seca. Desanimado quase ao absoluto. A vontade era ficar no balanço de minha rede nordestina, lobrigando lá distante a nesga das águas tranqüilas da lagoa que o “progresso”, na sua inexorável e perversa caminhada, me deixara de herança; e a fazer o que o homem mais gosta de fazer: nada. Foi quando começaram a chover mensagens. De solidariedade. De incentivo. De esperança. De inconformidade com a despedida que eu anunciara. Foi lindo! Foi lindo ver Luis Zattar, da Som Maior, com quem sempre me desaviera, comparecer com uma tocante mensagem de solidariedade, em seu nome e nos nomes de todos os que fazem a Som Maior. Chocante!
Leitores que eu nem sequer imaginava ter descobriram meu endereço eletrônico e comunicaram-se comigo. Muitos. Dezenas. Transcrevo, por características, as mensagens de dois deles:
Subject:Saúde
Prezado Holbein Menezes,
Envio-lhe meus sinceros votos de pronto restabelecimento. Aprecio muito sua coluna na revista. Ela nos alerta para não nos tornarmos "audiotas". Afinal, o que importa realmente é a música.
Não se incomode com as críticas. Se sua opinião incomoda muita gente, é sinal que há de haver uma grande verdade nela. Basta lembrar de Giordano Bruno e Galileu... E mais, tenha paciência com essas pessoas.
Seus ensinamentos me fazem lembrar a história de um sábio monge budista japonês, que apontava o dedo para a lua, na vã tentativa de mostrar a lua aos seus discípulos. Estes, apenas enxergavam o dedo... A história se repete: ao invés de escutar a música, há pessoas que escutam os aparelhos...
É difícil trazer luzes para as pessoas.
MUITA SAÚDE. Um grande [ ]. Evandro Kato, Bauru-SP.
Subject: Ao seu restabelecimento!
Meu estimado Sr. Menezes!
Li com certa apreensão no mais recente exemplar do Clube que o caro amigo vai se submeter a um tratamento de saúde. Esta mensagem destina-se antes de mais nada a desejar-lhe completo e pronto restabelecimento Assim como o Sr. sou sertanejo nordestino e seu leitor assíduo desde o primeiro Nº do Clube do Audio. Leio sua rubrica "OPINIÂO" antes de qualquer outra matéria da Revista. Digo-lhe: concordo em gênero, número e grau com seu discurso e suas posições sobre alta-fidelidade, aliás um negócio, na minha modesta opinião, fartamente tocado pelo esnobismo.
O que fazemos com nossos equipamentos é simplesmente construir modelos das realidades sônicas ouvidas em salas de concerto boas e às vezes nem tanto. Esses modelos são apenas modelos, e refletem o universo sônico com maior ou menor grau de realismo, ou de approach maior ou menor, jamais igual ao evento original. Me lembro que alhures, em outros tempos e outras plagas ouvi o excepcional Mravinsky, conduzindo a 5ª Sinfonia de Tchaikovsky, com sua também excepcional orquestra da então Leningrado.
No fim aplaudi longa e delirantemente. A experiência continua na memória e jamais poderá ser REPETIDA...
Podem ser feitas tentativas de reprodução mais ou menos bem sucedidas, repetir o evento, jamais!
Lembro-me também do meu primeiro pre-power - um Sansui AU 999 e um par de caixas AR . Coloquei o adágio para cordas de Barber, e também essa experiência continua inolvidável. Em seguida pus para tocar aquela cena da morte de D.Quixote de Massenet na voz de Fiodor Chaliápin - gravação lá das profundezas dos anos vinte. Me comovi, como até hoje me comovo ouvindo essa peça, trinta anos depois e com equipamento Krell/caixas Wilson e Bose, correntezinha elétrica toda cheia de precauções desde o quadro de força, tomadas hospital grandes, filtragenzinhas, e Deus sabe quanta parafernália mais, trocada e acrescida durante esses 30 anos! A coisa melhorou? Não sei com certeza. Sei que hoje posso, via reprodução eletrônica, distinguir o barulho de palmas do barulho de chuva.
Isso é meu paradigma de um equipamento de som razoável. Coisa de tabaréu nordestino, mas em que confio!!
Seu Menezes,acabei fugindo do principal e ficando prolixo. É sempre assim quando falo de música, pois música e não equipamento é meu compromisso.
A finalidade dessa mensagem não é falar de outra coisa senão do meu desejo de coração de um pronto restabelecimento para o senhor.
Muita saúde e pau nos males que soem atacar nossos organismos! Breve regresso, amigo! Não quero descontinuidade de sua matéria em nenhum exemplar do Clube.
Aceite o caloroso e fraternal abraço do patrício e admirador sincero.
SAÚDE
Paulo Facó.
P.S. Esta mensagem não é para publicar. Apenas para levar-lhe um abração
(Desculpem Evandro e Paulo a inconfidência. As mensagens de vocês tocaram-me tanto que não pude resistir divulgá-las. Não podem ficar anônimos os bons exemplos senão proliferam os maus, não é verdade?)
Continuando. Este jornal começa com um artigo só, o meu, mas estará aberto para outras colaborações. Se forem pertinentes, é evidente. A “linha editorial” consubstancia-se numa única palavra: experiências prazerosas. Experiências audiófilas que tenham trazido conforto e gosto ao ato de ouvir música em conserva. Uma vez o Físico Professor Heber de Sousa perguntou-me: “O senhor já experimentou ouvir música (via eletrônica) com o ar da sala desumidificado por meio mecânico? Com um exaustor ligado, por exemplo?”
E por que não? Fato inegável e conhecido de todos é que ainda existe uma grande distância entre a qualidade sônica da música ao vivo e sua qualidade se reproduzida eletronicamente. Por quê? Os antigos achavam que tal discrepância se devia à eletrônica. Então os aparelhos portavam níveis de distorção altíssimos, em redor dos 2%. Havia os transformadores de saída, para rebaixar a impedância, que deformavam as ondas quadradas... Havia os capacitores de acoplamento... Os resistores eram de carvão, com tolerância de 10%; os capacitores, de cerâmica..., a fiação interna, de fios ordinários... E por aí. Usaram-nos Saul Marantz e Peter Walker, dois pioneiros. Tudo isso porém foi alterado com o surgimento da eletrônica do estado sólido e o avanço tecnológico. Apareceram os resistores de metal filme com 1% de tolerância, capacitores de fita de polipropileno (tin foil e companhia), potenciômetros em década (black gate e similares), cabeamento de fio de prata, circuitos impressos, entradas balanceadas, soldas especiais, a magia do chip, o resgate dos eletrolíticos de altíssima qualidade e custo (acima de 20 dólares) etc. etc. E o som? A qualidade sônica dos eletrônicos ficou igual à qualidade do som original?
NÃO! Aproximou-se mas ainda está distante, muito distante. Por isso criei um dos teoremas de Holbein: a música ao vivo é uma coisa e outra coisa é a música reproduzida por meio eletrônico. Ambas podem ser boas, regulares ou ruins; ainda assim, distintas. Ambas podem ou não proporcionar prazer. Ou desprazer. A finalidade deste jornal virtual aperiódico é trabalhar em favor do prazer de ouvir música por meio eletrônico. Sem consideração com as muitas marcas dos aparelhos eletrônicos nem os ilustres nomes que assinam os projetos. Ainda: sem levar em conta o preço dos sistemas. Porque estamos convencidos de que não está nas marcas nem na aparência dos sistemas a solução; nem nos ditos “recursos” deles (sistemas), de suas múltiplas entradas e saídas. Tudo isso tem-se revelado mera maquiagem. Em que pesem os esforços de articulistas “especializados”, de reviewers, de testadores de sistemas, para convencer os incautos de suas “verdades”... por vezes algo comprometidas.
Nossa finalidade aqui não é falar de aparelhos, é trocar experiências. Paulo de Sousa Ramos dia desses informou-me, entusiasmado: “- Descobri um indutor de fita de cobre que é uma maravilha; resistência quase zero; qualidade cem. Nunca ninguém usou isso em divisor de freqüência. Com tal indutor desaparece a doidice que é pôr-se um cabo de qualidade (caríssimo) no elo amplificador-caixas, se portadoras estas de indutores de fio ordinário. O indutor de fita iguala-se em qualidade e neutralidade aos melhores cabos que conheço.” Faz sentido. Isso, sim, é avanço. Nisso eu acredito. Em propaganda, não.
Nosso JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ não é contra ninguém nem coisa alguma senão a desonestidade. E para mim a falta de franqueza é a forma sutil com que costuma se manifestar a desonestidade. “Eu não censuro, às vezes sugiro”. “Eu não corto, por vezes peço para omitir”. “Diabo, há os compromissos”. Pois não teremos os do JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ, compromissos. Nem dogmas nem princípios. Queremos ser livres. Mentes abertas. Nada de regras. Se uma experiência deu certa, divulgamo-la, tenha ela lógica ou não, respaldo técnico ou não. Porque, afinal de contas, ninguém sabe ao certo por que o som eletrônico ainda se encontra tão distante do som original.
A propósito de coerência, esse conceito reacionário das classes dominantes, antinatural e contrário ao desenvolvimento (imaginem se Freud tivesse sido coerente...), leiam este texto do incoerente Jorge Pieiro, cearense, professor de Literatura do Colégio Espaço Aberto, ensaísta, poeta e ficcionista, que há publicado, dentre outros livros, Fragmentos de Panaplo (prosa, 1987); Neverness (poesia, 1996); e Caos portátil (prosa, 1999). Mantém dois livros inéditos prontos para a batalha de editores e o encontro triunfal com aproximadamente 100 leitores. Que é, semelhantemente, a meta de o JORNAL DE 1 ARTIGO SÓ. Cem leitores.
Quem dera!
cabeça
ainda tenho as mãos os pés o intestino a bílis a enxaqueca e a farta lição de casa os artefatos as cinzas da inquisição as aleivosias o ciúme a crise o torso do acrobata de um livro antigo a pedir desculpas e a continuar caindo no céu da pátria que o chão se abriu o latifúndio do joão medido a palmos a bananeira os abutres e a colina a amargura o gim e a conquista o pus e a cisão mas também a alegoria a fantasia e o carnaval infestado de selenitas a coorte dos antigos e dos amigos o lapso e a mácula a pereba o estrume da raça e o anseio nefelibata cage a fé o demônio e a imensa satisfação de sobreviver digamos aprisionados nos espelhos a cura e a fúria mas enfim tenho ainda o fim em minhas mãos a arma
ainda tenho
o grilo no automóvel passou por mim passageiro feito a infância e eu não vi a rua molhada de passos tristes passos da gente sem face pois não vi o sol crestando a face dessa gente a quarenta graus à sombra ou ao gelo de trinta negativos no breu branco do silêncio isso eu não vi por isso não tenho mas
ainda tenho
no entanto desses como a que perdi só não vejo a cabeça que encorpa incorpora e poreja mas seja assim assimilar com a verdade a verossimilhança a imensa pureza de ainda ter o cravo na pele incrustado do que dói como a ausência por fim no que
ainda tenho
as mãos com essa arma que retribuirá o fel por nada mesmo que essas cabeças insistam de avestruz em esconder a febre o olho o bafo das narinas a cicatriz o espelho e a alma a ruga o sestro a dor a careta e o riso o privilégio do esgar a varíola a pele ressequida a madeira da cara o óleo a penumbra a sombra e a silhueta o cocar das alucinações ou que se perpetuem na longevidade das tartarugas dos ratos de gaveta dos axiomas falsos nas mentiras nas vestes seculares por fim nas falsas visões e insensatez por mais que risível e veloz costumo apontar com as minhas mãos que
ainda tenho
E para finalizar, apropriando-me do bordão do Pieiro,
ainda tenho
a saúde inda que débil para aperiodicamente falar com vocês dizer verdades que uns tantos acham besteiras contrariar interesses dos que só têm interesse no próprio interesse desmistificar os que se consideram doutores da lei em eletrônica tal o menino jesus no meio dos doutores do templo que ninguém é dono da verdade nem eu mas
ainda tenho
tutano teimoso que sou jumento dócil para os amigos potro brabo para os enganadores chicote em punho contra as obrigações de compromisso que não sejam as do prazer de ouvir música boa música para o lazer somente escutada seja via radinho de pilha vitrola de corda três em um um mais três dois ponto zero cinco ponto um o que seja que não seja caro porquanto não é no caro que o bom habita pelo menos em música assim testemunhei dia desses em porto alegre ouvindo um excelente disco gravado nos pampas pelo doutor marcello sfoggia produção da líder do conjunto de câmara de porto alegre a soprano marlene hofmann goidanich a cantar com sua linda voz singelas canções dos trovadores medievais poetas e músicos da baixa idade média européia acalentos que nos deixam extasiados e dão sentido ao dito do musicólogo carioca ernesto bueno que sustentava que o belo está no simples no complexo está a enganação porquanto ninguém mente numa só palavra mente-se em discursos em bando ou em bandas jamais em pequenos conjuntos como esse de câmera de porto alegre
ainda tenho
dito e mais direi nos números que seguirão aguardem Holbein Menezes ou quem seja.