A manutenção do paraíso |
...damos adeus ao diabo e pedimos que nos abandone.
Que procure outro campos de caça. Não faltam. (Vilém Fluser)
Que procure outro campos de caça. Não faltam. (Vilém Fluser)
suposto segredo:
diante da escada para baixo, ao porão feito e dito como Paraíso - mais uma falácia provável da “celestialidade” ou, quiçá, da bestialidade do céu -, o ancião supostamente trapaceiro dos desígnios de deus interroga-se e decai em dúvidas, tanto quanto o decaído soberano, tão pleno de certezas por esconder os mistérios de nenhuma verdade... |
e por não haver necessidade de a alma ir a lugar algum, uma vez que o céu e o inferno são universalmente coextensivos, foi o que algum dia me disse Eckhart, complementando sua ideia de que o homem não pode viver sem deus, mas deus também não pode viver sem o homem, pois sem o homem deus não saberia que existia...; eis-me aqui calcando degraus ao subsolo
e tenho que perseguir os meus passos como a glória persegue os louros sobre as cabeças melhor se antes degoladas. Embalado pelas mãos de Nietzsche, discípulo de Novalis, tenho certo de que todo homem é potencialmente um herói e um gênio; que só a inércia faz o homem medíocre
assim, dou o primeiro passo ao paraíso que sempre foi um purgatório. Meu purgatório de ironia, de sarcasmo, de glória, antena e terra, de cura da senilidade da mente, qual o retrato de Dorian escondido no sótão do pensamento dinâmico, moto perpétuo desse deus criado e que inventou a humanidade, dando o primeiro pulso ao que nunca findará desde o pó
e sem ponto final, perseguirei o infinito
***
...mas o infinito é outra falácia da matemática e de deus! Portanto, possivelmente divino e finito para aqueles que o consomem, pois é um dito com incerteza, a necessitar da fé do nãodito!
minhas pernas ainda tremem. A escuridão ensaia minha cegueira. Não tenho fé, não sei o que encontrarei, se chegarei a algum lugar. Ou se a purga será descer, descer, descer, acreditando que ao fim possa encontrar pedras esculpidas, papiros, incunábulos... quem sabe Alexandria e o segredo de Babel. A secura na garganta é um prenúncio da dúvida. As mãos tocam a parede esponjosa. Nem frio nem fio de calor
ao primeiro degrau, permaneço. Umas vozes reconhecidas. Parece que contam histórias. Estranha essa sensação de quase dormir. Seriam histórias de Trancoso, as de maldizer, que são as mais prováveis de acontecer. Mas de quem seriam as vozes reconhecidas, não sei. E por que a letargia, uma pergunta sem interrogação, para ser esquecida no rol das bobagens. E quedo aqui. E sonho como se fosse fotografia amarelada. Aquelas mãos, seriam sempre de alguém que já vi. Um tempo sem tempo, permaneci. Depois, veio o silêncio. Para uns, o frio cortante, para outros a paz. Mas tanto faz. Nada disso há de interferir na sinestesia do desejo. Mas o silêncio também disse coisas como se os lábios se movessem diante das páginas proibidas de algum livro apócrifo, profano, sacana. E o cicio do silêncio empurrava para dentro, para dentro, para dentro e dentro era o útero, que dúvida!, e eu escutava o líquido a me alimentar como se a mugir a vaca sagrada seu mantra me nutria de incerteza. O cérebro de nada vale mais neste instante. E isto arrepia qualquer noção de sentido e alma. Ser ou nada. Serei o que sou sem pensar ser, serei o que não sou ao pensar em nada. A existência é um corpo de materialidade apodrecendo. E mesmo que saiba disto de outrora, de vida vivida, agora, neste momento, nada poderei fazer ante esse anestesiado estado. Apodrecendo poderei estar. Ou nascendo. Ou tanto faz. O primeiro degrau para baixo, ao porão é a descida ao inferno, ao purgatório, ao paraíso ou àquilo que Milton nenhum jamais encontrou em seu caminho, ou a regressão ao mundo dos mortos que renascerão. Ai, outra questão de ópio sem vantagens ou certezas. Sei apenas que a parede é esponjosa; que o silêncio é tão óbvio e clichê feito uma navalha; que nenhuma voz interromperá minha peripécia, qual sereia a tentar meu desvio; que por mais infinita que seja a busca, o oito deitado foi apenas a queda do oito, ninguém, nem deus, poderá interrompê-la, pois morto já estou, a perseguir e isto será, talvez, a paga do que fui terrestre; que todos os meus ditos sejam exumados e transformados em nãoditos; que os malditos, tantos quantos estejam ainda soltos por aí, sejam apenas ditos maus ou más palavras pronunciadas, pois de nada sabem; que eu acorde novamente desta letargia, não mais estou sobre a pedra, inerte, e reconheça mais um passo, e desça mais um degrau. Nesse mister, apenas concordar que o útero é uma prisão benevolente, aquática, nutridora; melhor partir para o apodrecimento, libertando-se pela vagina dilatada da santa Mãe. Enfim, a liberdade é o castigo. E o castigo é descer mais um degrau em busca do infinito, essa falácia de deus parida
***
jorge pieiro, o surdo
fracaleza, 12 mai. 2022
e tenho que perseguir os meus passos como a glória persegue os louros sobre as cabeças melhor se antes degoladas. Embalado pelas mãos de Nietzsche, discípulo de Novalis, tenho certo de que todo homem é potencialmente um herói e um gênio; que só a inércia faz o homem medíocre
assim, dou o primeiro passo ao paraíso que sempre foi um purgatório. Meu purgatório de ironia, de sarcasmo, de glória, antena e terra, de cura da senilidade da mente, qual o retrato de Dorian escondido no sótão do pensamento dinâmico, moto perpétuo desse deus criado e que inventou a humanidade, dando o primeiro pulso ao que nunca findará desde o pó
e sem ponto final, perseguirei o infinito
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...mas o infinito é outra falácia da matemática e de deus! Portanto, possivelmente divino e finito para aqueles que o consomem, pois é um dito com incerteza, a necessitar da fé do nãodito!
minhas pernas ainda tremem. A escuridão ensaia minha cegueira. Não tenho fé, não sei o que encontrarei, se chegarei a algum lugar. Ou se a purga será descer, descer, descer, acreditando que ao fim possa encontrar pedras esculpidas, papiros, incunábulos... quem sabe Alexandria e o segredo de Babel. A secura na garganta é um prenúncio da dúvida. As mãos tocam a parede esponjosa. Nem frio nem fio de calor
ao primeiro degrau, permaneço. Umas vozes reconhecidas. Parece que contam histórias. Estranha essa sensação de quase dormir. Seriam histórias de Trancoso, as de maldizer, que são as mais prováveis de acontecer. Mas de quem seriam as vozes reconhecidas, não sei. E por que a letargia, uma pergunta sem interrogação, para ser esquecida no rol das bobagens. E quedo aqui. E sonho como se fosse fotografia amarelada. Aquelas mãos, seriam sempre de alguém que já vi. Um tempo sem tempo, permaneci. Depois, veio o silêncio. Para uns, o frio cortante, para outros a paz. Mas tanto faz. Nada disso há de interferir na sinestesia do desejo. Mas o silêncio também disse coisas como se os lábios se movessem diante das páginas proibidas de algum livro apócrifo, profano, sacana. E o cicio do silêncio empurrava para dentro, para dentro, para dentro e dentro era o útero, que dúvida!, e eu escutava o líquido a me alimentar como se a mugir a vaca sagrada seu mantra me nutria de incerteza. O cérebro de nada vale mais neste instante. E isto arrepia qualquer noção de sentido e alma. Ser ou nada. Serei o que sou sem pensar ser, serei o que não sou ao pensar em nada. A existência é um corpo de materialidade apodrecendo. E mesmo que saiba disto de outrora, de vida vivida, agora, neste momento, nada poderei fazer ante esse anestesiado estado. Apodrecendo poderei estar. Ou nascendo. Ou tanto faz. O primeiro degrau para baixo, ao porão é a descida ao inferno, ao purgatório, ao paraíso ou àquilo que Milton nenhum jamais encontrou em seu caminho, ou a regressão ao mundo dos mortos que renascerão. Ai, outra questão de ópio sem vantagens ou certezas. Sei apenas que a parede é esponjosa; que o silêncio é tão óbvio e clichê feito uma navalha; que nenhuma voz interromperá minha peripécia, qual sereia a tentar meu desvio; que por mais infinita que seja a busca, o oito deitado foi apenas a queda do oito, ninguém, nem deus, poderá interrompê-la, pois morto já estou, a perseguir e isto será, talvez, a paga do que fui terrestre; que todos os meus ditos sejam exumados e transformados em nãoditos; que os malditos, tantos quantos estejam ainda soltos por aí, sejam apenas ditos maus ou más palavras pronunciadas, pois de nada sabem; que eu acorde novamente desta letargia, não mais estou sobre a pedra, inerte, e reconheça mais um passo, e desça mais um degrau. Nesse mister, apenas concordar que o útero é uma prisão benevolente, aquática, nutridora; melhor partir para o apodrecimento, libertando-se pela vagina dilatada da santa Mãe. Enfim, a liberdade é o castigo. E o castigo é descer mais um degrau em busca do infinito, essa falácia de deus parida
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jorge pieiro, o surdo
fracaleza, 12 mai. 2022